As letras e os letrados
Seu Manuel é um escritor de contos
que ainda não aprendeu a ler...
Toda noite, na soleira, pôr-do-sol,
natureza em volta, salta-lhe uma inspiração...
Ele já contou histórias da galinha de dentes,
do pato gago, da formiga cantora, da festa no céu...
Já criou e recriou nas reprises, até seriado inventou...
E justamente o seu Manuel, sertanejo lá das terras de Goiás,
onde não chegou a “fessorinha” pra ensinar...
Onde se publicam obras pelo vento que leva de um ouvido ao outro
ele ali, compondo dia-a-dia, no crepúsculo, antes de dormir...
Lá vêm os netos, os sobrinhos dos vizinhos, os outros “roceiros”...
Cada fraseado, cada aventura,
ele dando personalidade aos bichos, aos lírios, ao sol e à lua,
Esse seu Manuel...
Famoso e reconhecido nos arredores, escritor reverenciado
que nunca soube fazer com o fundo da garrafa a letra “O”,
E quem ousa dizer que ele não sabe das letras?
enganado...
Ele já passou pelas faculdades da peleja, dos bichos nos milharais...
Tem teses sobre o peso da enxada, o suor da testa aos olhos,
especializou-se em plantação, comeu lanche frio na tardinha...
Seu Manuel não lê e é poeta,
conhece o sabor da noite virando-se em dia, madrugador...
Por isso tantas anedotas, tanta composição...
Ele foi quem me deu este poema pra escrever,
sua vida é o grande livro onde verberam estas letras
porque ele, que nem leu nem lerá,
é quem cria as rimas mais veementes
pra dar sorrisos às humildes crianças que o rodeiam...
É ele, no seu humilde cotidiano,
inventando uma história a cada entardecer,
que tem as letras na cabeça...
Letrado não, mas que nos ensina a ler.