UM RESTO DE AZUL

É velho o céu e velhas as suas nuvens

imotas de cansaço e de velhice,

sofre a cor de múltiplas salsugens

e o vento é a voz de um som que não lhe disse.

As árvores são ontens diminutos,

que compõem quilômetros parados

à procura de flores e de frutos

perdidos na espessura destes prados.

Resto de vôo roça o resto azul

escondido detrás de escuso monte,

do qual norte escorreu, buscando sul,

um rio sepultado sob a ponte,

sob a ponte de pedra apodrecida,

sob a ponte sem grades e sem gente,

sob a ponte parada e desviada

que repensa o rolar de uma água ausente.

Encolheu-se a paisagem fatigada

de haver sido e de sempre ser paisagem

junto da sempre curva e sempre estrada

que passa com seu sempre só pó de viagem;

sobre a gasta igualdade que rói tudo

a mesmíssima lua simples, alva,

mais uma vez, no mesmo palco mudo

desfaz da noite o amargo sobretudo,

com o refulgor da sua triste calva.