Discurso de poeta mudo

Calai-vos poetas,

Silenciai as vosas liras,

Pendurai vossas harpas

Nos doídos salguiros;

E ouví-me no telhado,

Pois destilarei meu verbo,

Deitarei em vossos cântaros

O vinho da alegria,

E o azeite do saber

Vos injetarei no coração.

Assim o salitre da vida

Excretarei de vós,

Choverei suave

Em vossa carne oprimida

E sedenta desta paz,

Refrescando-vos os vergões.

Hoje poetas,

Serei vento e lembrança,

Ou serei canção e criança.

Vos tocarei sem mãos

Ou abraçarei sem força;

Mas ficarei em vós

Enlaçado, marcado;

Tatuado em vosso sonho.

Sim,

Lá no recôndido

Onde poetas sois,

E só poeta entra.

Calai-vos poetas,

E vosso silêncio será declamável,

Terá métrica;

E o rítimo da vida- este sonho-

Cadenciará com harmonia

Cada verso composto

Nas entrelinhas mudas

Da silenciosa prosa e verso

Do olhar- parco e doce olhar.

Mas poetas,

juro-vos :

Me entendereis em tudo!

Pois poetas sois,

E nem tão louco me sabeis

Por versar insano

A sanidade parca, débil e torta

Do que não domino,

Mas contar-vos posso

Sem nada pronunciar.