Caminhei

Ontem eu sai de mim,

caminhei por caminhos dantes desconhecidos...

vi rostos e sonhos como se fossem parte de mim...

Toquei em esperanças e dores...

Ontem eu sai de mim, para me encontrar por aí....

Caminhei não sentindo o cansaço,

neguei minhas dores, e cheguei perto do meu parto,

entrei na escuridão da minha formação,

eu embrião,

eu comunhão de dois sexos...

eu desejo,

eu culminando....

Nuvens negras ameaçavam minha caminhada,

a todo momento raios e trovões acudiam meus gritos e lamentos...

e lancinantes, desesperadores, esses gritos vazios, ocos, silenciosos... gritos silenciosos de uma alma segregada,

Mas eu insisti em caminhar,

e em algum instante as nuvens desistiram,

o sol, o dia, tudo ficou mais claro,

eu via com mais intensidade o que antes não entendia...

Flores sorriam para mim por onde eu passava,

pessoas me olhavam sem me ver,

e eu falava coisas que as agradava,

via seus sorrisos, seus olhos brilhando,

esperando... sempre esperando não sei o quê

Neguei meu cansaço,

neguei meu sofrimento,

e continuei caminhando dentro de mim....

Era tão difícil, tão doloroso,

mas cada sorriso recebido,

me dava forças, e assim

eu disfarçava o que sentia,

pois o que me importava era o que eu fazia....

Não lembro o que eu fazia,

mas fazia bem,

sempre tinha alguém sorrindo, agradecendo,

mesmo que esse alguém também estivesse sofrendo....

Então quando nuvens negras de mim se aproximavam,

um vento as empurrava para longe,

e eu observava o nascimento de uma formiga,

e eu conseguia entender,

que a mãe formiga também sofria para ter sua filha...

Compreendi então que todos sofremos,

todos temos dores e sentimentos,

mesmo os negando,

mesmo nos maltratando,

ninguém poderá tirar de nós,

o sentimento, o que sentimos...

Dores, alegrias, sorrisos, choros,

abraços, brigas, disputas....

tudo de repente me pareceu tão vazio,

pois o sentindo de tudo era maior,

e todos nós faziamos parte apenas de um tabuleiro de xadrez, e eu pude saber que éramos sempre apenas soldados no tabuleiro e quem jogava,

nos manipulava,

ora atacávamos,

ora defendiámos...

e então pensei que eu não gostaria de continuar ali,

e sorri,

pois também esse pensamento me era emanado de algum lugar no recôndito e escondido manipulador dos meus atos...eu mesmo...

Caminhei muito ontem,

mas hoje estou aqui,

como se o ontem não tivesse existido,

pensando em como caminhar daqui para diante....