Olheiros, uma vila no Acaraú
Estamos em um bonito lugarejo
Uma vila aqui no belo interior cearense
Ainda não é propriamente sertão
Pois resta muita influência marítima.
Afinal de conta ainda faz parte do litoral
Onde a brisa sopra refrescando a todos,
Durante o dia um sufocante calor, o trabalho
À noite um aconchegante clima frio, o repouso.
Frio e calor os dois são muito necessários
Tudo isto faz parte da mãe natureza
Como se sabe, estes climas se completam
Sem dúvida, assaz indispensáveis ao equilíbrio.
A vila é muito distante da sede do município
Não fisicamente, sobretudo de atenção
Por cá os caminhos se ligam às cercanias da sede
Mas falta vontade de caminhar até aqui.
Os moradores sentem essa ausência
Esperam, reclamam, mas não têm eco
Não pela distância entre as partes
Mas por não haver interesse em ouvi-los.
Nem por isso os irmãos aqui se desesperam
Permanecem firmes e timoneiros, esperançosos
Pois sabem que precisam continuar a luta
Sempre mirados nos seus grandes e sadios objetivos.
Por aqui, mesmo que poucos palmos de chão
Todos os chamam de fazenda
Não importam os hectares, muitos ou poucos
Qualquer tamanho faz a fazenda.
Não é necessária ter estrutura
Apenas algumas terras cercadas
Aí se diz fazendeiro ou fazendeira
Quando então se dizia senhor de terras.
Quaisquer que sejam suas dimensões
Grande, pouca ou quase sem estrutura
O que interessa é que produz algo de importância
Ainda que pouco, emprega e causa salário.
O sertão é assim e todos já o conhecem bem
Tem seus mitos, suas tradições e seus encantos
Cada um se orgulha do que é e do que faz
E todos entendem as dificuldades uns dos outros.
Como ninguém é de ferro nem de pedra
Para compensar a aridez do clima
Além das noites serenas, bonitas e aconchegantes
Nas folgas, a diversão campeia o espírito de cada um.
Tem o seresteiro, o forrozeiro, o vaqueiro e quem adora o prado
Gostam do violeiro, do repentista, de vaquejada e outras folias
Cada qual com a sua melhor preferência
No outro dia o trabalho continua, de sol-a-sol.
E assim vão vivendo os cristãos no sertão
Quando chove, resta muita plantação e fartura
Na estiagem o paiol abastece, encorajando-os
Sem chuva, muita penúria, mas uma extrema fé.
Por aqui, as pessoas são belas e felizes
Trabalhar é o lema de todos
A cooperação entre todos a unir
É a maior força para superar as lides.
O camponês é uma pessoa generosa
Está sempre determinado a servir a outrem
Isto é uma dádiva e uma boa herança
Tudo isto fortalece os laços de amizade.
Esta união também conserva a vida no campo
É a cultura da tradição de quem habita nos sertões
Se todos têm os rostos marcados pelas intempéries
Também têm a vida marcada pela glória.
A glória de saberem viver com o pouco que têm
Pois ninguém reclama das dificuldades do meio
Senão, da indiferença da cúpula da sociedade
Mas a hombridade se mantém acima da carência.
A vida por aqui se não é uma aventura
É apenas para quem tem muita coragem
Coragem de resistir, de enfrentar o dia-a-dia
De desafiar a aspereza, as intempéries do meio.
Estamos na radiante vila de Olheiros
Um lugar “longe” da sede do município
Acaraú é o nome do seu território
É uma região que tem o seu agreste.
A sua sede está na orla marítima, ali perto
Uma bela praia do atlântico cearense
E o Equador passa lá por cima do mar
Por isto só resta nos habituar com o calor.
Acaraú um tradicional celeiro da pescaria
Peixe cavala, pema e muito camurupim
Todos se pescam há muito por lá
Hoje, o camarão nos viveiros a dominar.
Acaraú, a capital do norte marítimo do Estado
Quer na outra banda ou onde for
Ali se vive bem, dia e noite a trabalhar
Até eu mesmo morei e me batizei por lá.
Olheiros, de todos os tempos e de todos os povos
Onde a água não é farta nem fácil obtê-la
Mas onde se perfurar ela jorrará
O melhor, aqui todos vivem sem mendigar.
No palco da vida em solo de Olheiros
Em um grande curral um touro munge
Ao lado, numa grande casa alpendrada
O fogão a lenha já arde na cozinha, nossa energia.
A chaminé anuncia que a cozinha está viva
A fumaça escura sobe até encontrar os ventos
A lenha é farta, mas é difícil transportá-la
É uma tradição, também uma necessidade.
Na cobertura do galpão vacas são ordenhadas
O leite é mugido e está quentinho
Gostoso e forte é o leite do curral
Mas não se pode bebê-lo cru, pode não fazer bem.
O sol da manhã já nos queima
Passam trabalhadores com seus instrumentos
Cada qual com a sua missão, o compromisso
E quem madruga, de Deus tem boa ajuda.
O vaqueiro toma seus primeiros goles de café
É a figura corajosa que desbrava a caatinga
O café é torrado no caco e com boa rapadura
De tão forte, o café tirna a xícara, uma tradição.
Chega um comboio com muito capim forrageiro
Os animais obedecem ao estalo do chicote
Um barulho contínuo prediz o moer da forrageira
Anunciando o preparo da ração pro gado.
Uma carroça se aproxima para levar o barril com leite
Aos poucos se aproximam mulheres da vizinhança
Todas com uma garrafa de vidro na fila do leite
O leite é necessário ao crescimento das crianças.
Ao longe, uma nuvem de pássaros sobrevoa a caatinga
É um grande bando de avoantes a revoar
É uma ave migratória que se adaptou no sertão nordestino
E logo vão pousar para beber na lagoa.
Na beira do lago aproximam-se homens para pescar
Todos lançam suas linhas com anzóis
Não retarda e um pequeno peixe é fisgado
É uma opção de trabalho e bom alimento.
Que bom seria, se todos soubessem pescar
Talvez a vida fosse mais digna para muitos
Pois o alheio não seria cobiçado
Alguém tem que aprender com o pescador.
Branca garça ao longe margeia o lago
Ela está à espreita de seu manjar
A ave também sabe pescar
É um bonito exemplo para os humanos.
A superfície do lago reflete os raios solares
No horizonte o sol se eleva brilhante para todos
Nas árvores os passarinhos cantarolam a vida
Tudo anunciando o fim do crepúsculo matinal.
As crianças seguem na direção da escola do saber
A esperança se insere em cada um que estuda
Mesmo que qualidade não se inocule à escola
Porém, se estudar é um direito, também é um dever.
De repente uma galinha corre cantarolando sem controle
Isto é o seu anúncio que pôs um ovo
Um bom e sadio alimento para todos
A galinha é caipira e seu ovo tem gema amarelinha.
No quintal, um pé de juazeiro muito espinhento
Numa galhada da árvore espinhenta
Logo pousa um gavião muito observador e faminto
Está a procura de uma presa para saciar-se.
O predador é sempre uma figura que espanta,
Os pássaros que ali ainda repousam
Voam aos bandos com barulho do bater das asas
Pois compreendem o perigo iminente, a degola.
Logo as aves seguem nas variadas direções
Tudo é uma convergência pela lei da natureza
Mas é uma realidade no reino animal
Pois todos participam da cadeia alimentar.
Ali por perto, pássaros sempre a pousar
Buscam os restos da ração do gado
Surge um concerto natural muito relaxante
Variado é o gorjear de todos, quanta sinfonia.
Do nascente sopra um vento forte acalorado
Levanta uma grande poeira vermelha
É a massa de ar dilatada pelo calor extremo
E a sombra que refresca também reanima.
A garça depois de farta logo voa para longe
Outras já pousam sobre o gado
É a chamada garça vaqueira
Sua alimentação são os insetos sobre o lombo dos animais.
Estamos em pleno agreste cearense
A caatinga se conserva como hibernando
Todas as plantas ali são xerófilas, já quase sem folhas
O oxigênio alimenta a totalidade, já falta água.
Enquanto não chove permanecem desfolhadas
É uma característica da resistência pela vida
E essa resistência se dissipa pelos seres nordestinos
As árvores que permanecem verdes são referenciais.
E de longe as verdejantes se destacam
São árvores frondosas e próprias dos trópicos
Mas a esperança é sempre alimentada pela fé
Ninguém se maldiz, pois sabem esperar com ânimo.
No céu o sol já está quase a pino
Mas todos trabalham numa luta sem trégua
Logo o sino da capela tocará as doze badaladas
Em respeito, todos farão o pelo sinal, a cruz.
Também é chegada a hora da grande refeição
A mesa já está posta, larga e abundante
O dia não é festivo, mas a fartura existe ali
Ao seu redor muitos se aconchegam felizes.
Todos esperam a chegada do dono da casa
A cabeceira da mesa é reservada à sua pessoa
Os presentes se fartam de tudo que é gostoso
Um cafezinho muito doce encerra o banquete em família.
Depois, quem pode vai para a sesta repousar
Outros vão trabalhar com toda coragem e vigor
A dona de casa recolhe as louças e as sobras
É uma tarefa interminável e que se faz a cada instante.
Lá na casa de farinha o forno é sempre muito quente
As mulheres conversam enquanto raspam a mandioca
Elas trabalham sempre em pares, unidas que são
Uma raspa a metade e entrega para a outra raspar o resto.
O caititu transforma a mandioca em massa
Incessante é o mexer da farinha sobre o forno
Forno que é feito de tijolo e barro, pura argila
Assim são todas as casas de farinha tradicionais.
A farinha é logo ensacada para ser vendida
É uma grande fonte de vitaminas para todos
O comércio do produto ainda é muito forte
Às vezes praticam o escambo entre si.
No tempo do Império o plantio da mandioca foi muito incentivado
Dom João VI mandava plantar para garantir a sobrevivência
Porém já era cultivada pelos aborígines em todo o país
Mas no Nordeste ela predomina sobre todas as culturas.
Aqui o clima é sempre quente e estarrecedor
Mas o calor alimenta o desejo pela vida
O sol segue seu caminho, iluminando-nos
Assim como todos levam suas vidas, mais labutam.
Quando o sol se afasta seguindo sua rota
Segue-lhe um vento ameno, refrescando-nos
Logo será notável a diferença climática
Nas bonitas tardinhas de cada dia em Olheiros.
Um galo de campina pousa cantarolando
Insistindo em chamar sua adorada fêmea
Ela ao longe ouve e observa seu amado
O amor também se dá entre os animais.
Sempre surge o barulho da explosão de motor
Ainda que ocorra em todos os lugares do mundo
Ao longe se vislumbra um velho caminhão
Mesmo assim é a expressão do progresso em movimento.
A vacada que seguiu para o pasto matinal
À tarde, no horizonte aponta retornando ao curral
Aos poucos as vacas vão chegando quase saciadas
Muitas em lentos passos, cansadas.
Antes do curral elas comparecem ao lago sereno
A sede é saciada à vontade com água turva
Mas a noite é simplesmente longa
No cocho a ração complementa o vazio.
Todas elas dormem presas num mesmo curral
Ali deixam seus excrementos no solo
Expostos ao sol secam mudando a estrutura química
Do gado tudo se aproveita, inclusive o cheiro.
Logo se transformam em estrume
É um precioso adubo natural
Não existe nada melhor para a agricultura
É da natureza pela natureza, a nosso favor.
Por aqui a vegetação quase não brota flores
As que florescem é mais uma inspiração da natureza
Uma exceção é um vegetal de pequeno porte
Popularmente chamado de “Viúva alegre”.
Com maior incidência nas margens dos leitos dos córregos
Tem sempre suas folhas verdes escuras
Sua flor na cor lilás tem a forma de um cálice
São as protuberâncias da natureza a favor do verde.
Alguns vegetais de porte são espinhentos
São suas defesas naturais, uma criação divina
Assim são sempre resistentes e referências do verde
Um grande visual na caatinga que resiste.
Não há população de abelha em escala
E nem se aprecia a beleza das asas dos beija-flores
Porquanto, não sugam a doçura fazendo a polinização
Isso porque não existe mel floral que os atraia.
Mas nem por isto a vida deixa de ser doce
Mesmo que exija mais esforço para alcançá-la
Tudo é a natureza em Olheiros em movimento
Se a vida aqui não é doce, mas não é amargo o seu sabor.
Naquela vila, as noites são maravilhosas
Impera um infinito silêncio na escuridão do anoitecer
Apenas quebrado pelo canto das aves noturnas
Ou quando o vento sopra esfriando as noites.
As nuvens resplandecem sob o infinito céu escuro
A lua clara no alto se exibe inclinada e distante
As estrelas mostram-se mais cintilantes
E o cruzeiro do sul nos orienta nas noites românticas.
O vento forte se torna mais frio e agradável
Enquanto nos convida a nos agasalhar
Logo todos se recolhem aos seus aposentos
Isto nos aconchega ao leito para o repouso.
A lide diária é inspiradora do repouso noturno
Uma verdadeira insinuação à sonolência
O cansaço diurno se dissipa no sono reparador
Antes da alvorada todos já põem os pés no chão.
O sol já clareia, é hora de despertar e rezar
Pede-se a Deus mais proteção para nós
Lá fora o mundo é grande e de todos
Mas cada um tem que participar, é a comunhão.
Assim é a nossa alegre vila de Olheiros
Bonita por fora, amável por dentro
Quem a conhecer, logo retornará
E da hospitalidade ninguém esquecerá.