SAUDADES.
Saudades, espada afiada que belisca o peito.
Lembranças infantes de minha roça natal,
Aqui neste ninho de cobras que vivo,
Não sinto a magnitude que lá vivi.
O vento dócil a tombar as capinheiras,
Sopra firme para ver seu ondular,
O gado muge na matinal fileira,
As aves entoam melodias no quintal.
Os pássaros a me entreter nos diversos galhos,
O anu do campo com seu jeito sonso ,
O anu do brejo com seu jeito manso ,
O tico-assu imponente galã,
A saracura brejeira de pernas finas e vermelhas.
A Severina pequena de forte cantar.
Tudo leva a dor a espremer-me o peito,
Quando lembro o alazão , o baio de pernas
Gatiadas e sua marcha batida,
A vaca formosa e suas gêmeas ,
Alvas como algodão em manta,
Partiu de erva café , deixou saudades ,
Hoje jaz sob a terra vermelha da grota,
Deixou seu filho,touro Gil , que conduzia-me
Meu corpo e minhas aventuras
Pelas trilhas ladeadas pelo capim meloso.
Me lembro ainda da palhada batida,
Das coivaras gigantes a fumegar,
Do arado tombando a terra,
Da semente a germinar.
Do céu côvado no amanhecer do dia,
Da chuva certeira do entardecer,
Das tanajuras e seus vôos rasantes,
Doces lembranças a me embalar.
Quando adentro invernada acima,
Sinto o cheiro verde do roçado,
Os grilos espertos pulando ,
O caburé com sua cara de coruja,
O vaivém das formigas vorazes,
As águas cristalinas nas pedras brutas,
Os bambuzais verdes e suas mandingas,
Os taquaraçus e o canto dos catataus,
As garapas e seu cerne de ferro ,
As farinhas secas esquias,
Os espetos rosas e os brancos,
Formando o capão das pimentas.
Meu pensamento aberto e risonho,
Chega ao buraco das mamonas ,
Chapadas que o tempo criou,
Cercada de íngremes montanhas,
Ostenta sua terra massapé roxa,
De fértil poder,
Os milharais sacodem as fradas,
Os feijoais desabrocham o botões,
Os canaviais concentram o doce,
Eu alimento as minhas lembranças.
Locomovo na trilha reta e comprida,
Que me levava aos cafezais ,
Limite da mata perene.
O macaco prego na copa das arvores ,
Os jacus em bandos me saudavam.
O taquari serrado e seus canudos,
O bacupari prateado e seus frutos,
O cipó são João e suas costuras
Dali o horizonte avistava
Teciam meus sonhos ,
Riscava meus planos,
Agora estou nesta selva de pedras,
De insegurança ,de capitalismo selvagem,
Que ditam o valor do homem.
Saudade espada afiada ,
Que me esmiúça o peito,
Lembranças de minha roça natal,
Desperto deste sono e aborto sonhos,
Percebo que estou só ,
Não sinto o cheiro do verde ,
Não ouço a voz do caipira,
Não vejo o vergel e seus encantos,
Eu a solidão e meu lamento,
Preso a esta gaiola de alvenaria ,
Que a duras penas consegui comprar.