O escritor e os bastidores

Não vamos mutilar o poeta pela sua ausência nas competições; ele é um tri-atleta, pois trabalha harmoniosamente ao mesmo tempo com a mente, o coração e as mãos. É obrigado a praticar alquimia com a respiração de suas emoções _se mal-entendido ou não compreendido. Mesmo assim nunca pisa em flores, pois seus próximos amores estão nas próximas curvas, ou nas próximas esquinas.

Sou um representante legítimo da mistura de raças: nariz pão-de-açúcar, altura e físico de queniano, olhos incolores, rosto eslavo, cabelos crespos e grossos. Em mim habitam a astúcia de caçadores indígenas, o universo da dança cósmica da Mãe África e a genialidade de vendas de "Nascibe" da Mãe Turquia.

Ao nascer, eu recebi um livro com as páginas todas em branco, e aos meus ouvidos uma voz ainda não sei de onde que me dizia: "vamos, escreva um livro de duzentas páginas, tá bão?". Mas, duzentas, como?! Não tenho material pra tanto! Mas já estou em prantos! Aguardando o cortejo fúnebre do enterro do rio?!

Procurei pelo poeta na multidão, nas literaturas, palco e teatro. Com toda certeza em poeta algum encontrei firmeza. Estava muito cansado já desanimado. Olha ele ali na televisão! Expressava bem com a boca, mas expressava melhor com as mãos. Com o olhar ligado ao infinito e o cabelo todo desalinhado, de ponta à cabeça ferrado se alinha em tudo. Não se encaixa em nada, em relacionamento algum e muito menos em nenhuma sociedade.

Nasceu à frente de seu tempo e todos o carimbavam de desajustado. Ligou o homem e a natureza ao seu caixão. Depois de queimados voltam ao estado normal: cinza, pó ou carvão. Devolvidos à mãe natureza se alinham harmoniosamente no chão.

Procurei o poeta "divisor de águas" nas igrejas de todas religiões e fomos nos encontrar internados no mesmo hospício! Atrelados ao mesmo embaraço e procurando respirar no mesmo espaço. O galo gordo sumiu e até hoje estamos procurando o buraco por onde ele saiu!

Mas que destino! Desde menino esta inquietação. Estou de passagem e aquela mensagem não consigo alcançar. Estou deprimido e este povo sofrido não vem me salvar? Com este cabelo todo bagunçado cobrindo o olhar e estes dentes avançados, que me fazem babar! Mas quem diria? Nunca encontra a magia para desabafar. Mais que "bandaia" esta enorme "cangaia"! Nunca iria me abandonar.

Que tragam remédio (rosário) as pessoas que quando eu morrer vierem me procurar. E o povâo com os laços nas mãos, correm em minha direção e em altos brados. E exclamam: você nos prometeu um poema "o grande poema das massificações". E só me resta andar sem rumo por toda esta desértica e árida estrada, andei por todo o canto, percorri todas as alamedas e nunca cruzei com o sertão veredas e um infinito desfiladeiro me conduziu até o auto da compadecida e esta semente sem destino foi desaguar justamente em morte e vida severina.

Já fui pobre e miserável e também fui rico e descartável, mas hoje não passo de um gordo galo caipira. Em vias de extinção descrevi as hipocrisias

nas linhas de uma poesia "do caos à exaustão" Às vezes me sinto uma peça rara com este ar quente que me franze a cara e esta profunda dor que atingiu as multidões. A geração jônica rezou anos a fio mas de olhos fechados. E a virgem apareceu num terreno alagado e ele só irá sair deste mangue quando esta devassadora dor lhe rasgar o peito e fizer suar seu precioso e turbulento sangue. Por vocês serem desinformados, foram facilmente arrebanhados! Meu Deus! Estou sendo crucificado juntamente com a migração nordestina!

Ei boca aberta! Saia deste fundo de poço! Atire-me esta corda porque também preciso sair desta cisterna! Ainda estou bom das pernas para enfrentar as multidões. A poesia é nobre, eterna e universal, mas não consegui vender aos milhões. Como vocês perceberam, é quase impossível amar na contramão! Como vou adotar e trazer para dentro de minha casa este meu irmão? Por eu não possuir as quatro independências, estou cada vez mais e mais empobrecido por suor muito fétido. Atraquei-me em ferrenha queda de braços com as criaturas e com o Criador. E no final não sei se estou falando de mim ou de você, uns encontram aviso prolongado, outros aviso nenhum!

Mas não há ser humano que não trema diante da certeza do óbito. E como não apareceu no telão a página de ouro, partimos nesta eterna viagem da página toda em branco. Mas para um poeta, um pingo é letra e não é qualquer mutreta que iria me desmoronar. Finquei residência nos jardins do horto. A estrada é longa, cada vez mais larga. Você perdeu a coragem de puxar a descarga, meu irmão? Já rasgou toda sua roupa nestas procissões, você que anos e anos criticou as cegueiras das visões, nunca teve nas mãos a aparelhagem para desvendar as balísticas, vai fazer a grande viagem amarrado às estatísticas. Até parece que este aglomerado de vírus te fascina. Vamos, desengavete seus laboratórios e fabrique um antídoto com milhões de vacinas!

moraesvirada
Enviado por moraesvirada em 16/03/2007
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