Diálogo com o túmulo
Em minhas angústias e desconfortos fixei residência nos jardins do Horto, pois para mim o homem já nasce morto. Na primeira crise o paciente reclama:
- Porque descobri a vida na hora da morte?
- Seu otário, para que este calvário? As marés agora são o HIV, mas poderia ser a peste bubônica, a tuberculose ou até mesmo um câncer fatal. Mas estes patifes nunca lhe participaram que a morte é um pódium, uma travessia? E o Criador não condenaria à morte nenhum dos filhos? A morte é um paraíso, um jogo de luzes.
- O poeta me convenceu. Por que está esperando, diretor? Abre a porta porque tenho pressa de entrar em cena. Você também treme de medo da cidade muda, com jardins de plástico e enternecida? De nada adianta você ajoelhado dia e noite diante deste oratório. Sempre haverá novas doenças que dão e darão vida nova aos laboratórios. Eu não queria tocar nesse assunto, pois me sinto um presunto sendo desengavetado.
E um que está ali de lado diz:
- Parece que este defunto está falando!
- Sim, em minha vida sempre tive critério, eu tenho direito de ir para o cemitério. Não aceito ir para o forno de cremação.
- Cale sua boca, agora você não tem direito a mais nada. A fama da calçada foi quem lhe destruiu.
- Não é bem assim, eu nasci pelado e fui atropelado e tenho o direito de ser acalentado pelo seio da mãe terra.
E duas filas bem organizadas não usavam lenço, faziam requerimento.
- Nada de prantos, vamos de canção.