Era uma vez cantigas




Era uma vez cantigas
de quem mal sabia cantar
cantigas que só diziam
de um muito outro além-mar
em ignoto continente
onde marés recolhiam
lamentos todos do vento
que vinha do aquém mar.


Era uma vez uma menina
Era uma vez uma mulher jovem
Era uma vez uma senhora
que se diziam ao cantar
cantos vindos de distantes águas
e de muito alheias marés.


Era uma vez
e as vozes se quietaram sonhando
com lento ressuscitar
vozes-fênix
vozes de fogo
por ora silêncios no ar.

16/março/2017







Ah, cidades trazidas de volta!



Por esses dias
tenho tentado
sabores do passado
na boca...
Tenho tentado...
Ah, eu tenho...



Beatriz... Laura... dizei-me
no tempo da vossa Solidão
e da habitação em vós
de tantas mortes
como foi em vós lembrar-vos
de tereis sido musa
de Petrarca... de Dante...
tão longínquos nos sonhos deles, poetas,
tão alheios, sempre,
à carne e aos ossos de vós

tão alheios,sempre,
à carne e ao osso dos vossos dias reais...



Dizei-me, Laura... Beatriz...
que gosto de ser musa
vos restou
na amargura de vossas bocas
solitárias bocas como poucas...



"Eu vi as cidades mais futuras
soterradas sob  as mais pretéritas.
Eu vi o tempo às avessas.
Minha boca sentiu saudades
do mel nos poemas antigos
o mel que havia... que houve...
Que foi feito do tempo
dos tempos todos que me amaram?
Que foi feito
dos poetas presos para sempre
às suas invenções de mim?
Se eu pudesse dizer
"Só o futuro me resta"
como tu ainda podes, amiga,
mas, estou presa nas histórias
que Dante e  Petrarca
imortalizaram
estou presa
como borboleta espetada
no mostruário de um colecionador".




Assim me disseram
em uma única voz
Beatriz e Laura...



O futuro?
Que haja algum.





Beatriz de Dante

Laura  de Petrarca








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Imagem utópica? Que seja! Afinal, que é a vida senão uma Utopia quase/sempre/perdida/de/si/mesma?