CONTANDO O COTIDIANO I
Dona Olga e o galo
O galo canta a madrugada
amanhecendo a manhã sendo
e dona Olga se levanta
bate a panela acorda o gato
toma banho ferve o leite
teima e cospe no terreiro
quebra os ovos espanta o pato
côa café fuma cachimbo
bate na pia amassa pão
acorda o Juca o Zé o João
Arrasta o chinelo esfrega roupa
pára senta escolhe feijão
mexe a polenta lembra da reza
zanza na casa limpa poeira
enche o balde fecha o poço
soca o milho põe a mesa
lava louça enche o vaso
dá alfafa ao potro manso
rega a horta corta o mato
troca de roupa ...
Puxa assunto com o canário
abre a porta apaga o forno
enfeita a torta lava a mão
e lá larilará uma canção
espera o Juca o Zé o João
pendura a vida na cadeira
o paletó do Zé fica de pé
esquenta o jantar
Fala da flor que ela plantou
escuta a luta deles no dia
solta um suspiro
olha a lua
anda um pouco mais devagar
garra o crochê xinga a vizinha
que deu no gato com um pau de vassoura
ralha co’Juca zanga com ternura
Recolhe a roupa do varal
recorda o dia de festa na vila
lava o rosto
toma chá de erva-cidreira
beija o pai dos filhos
olha os meninos
dá bênção
folga boceja
solta o cabelo
e de joelho aos pés da santa
reza um Pai-Nosso
E vai dormir a dona Olga
seu sono cansado
cheio de sonhos que ninguém sabe
Até que o galo canta
e dona Olga se levanta.
(1972)