O PESCADOR

(ao som de marimba-a-kisanji)

Adiante de todos os demais — de si para si

Segue o homem cambaio

Amigo de espíritos renegados —

Sua prece é protetora de segredos marinhos

Seus amuletos são dentes de tubarão

De mulambu atado entre as pernas

E com bravura e brio nas veias

Ele vai ao encontro do Potentado Kalunga*

Dono das águas salgadas refletidas no céu!

Cedo

Lwangu* abre o caminho através de vagas

Para nele se passar o relâmpago seco

E o corpo cicatrizado do inveterado

Cuja sombra é refluxo da maré vazante

É o pescador

Que no coração guarda a vingança dos mortos

E a ira de Nvunji na sua contemplação

Pois nasceu com o cordão umbilical

Enrolado ao pescoço

A noite é gémea tutelar de sonhos vivos

Cheirando a lua e a bruma da ilha velha

Qual Memória que ainda perdura

Na sua veia de raiz em terra

Foi a Kyanda* quem meteu-lhe o kyanga no sangue

Esse último Patrono da Kazanga*

Temido pelos bichos em mar alto

Ao romper da aurora, tomara que nos traga fé

Nos seus olhos aguçados pelas tempestades

E o Sol prometedor

Em seus braços calejados de Mestre pescador!

Kalunga = divindade que preside a duração da vida

Lwangu = entidade espiritual. Auxiliar de Nvunji

Nvunji = deus da justiça

Kyanda = deusa dos rios, vales, montes e lagoas.

Kyanga = magia que concede a faculdade da imunidade contra ferimentos

Kazanga = ilha nos aredores de Luanda

Escrito em Kimbundu e traduzido para portugues por o autor