Cais...

CAIS

Chego ao cais,

nunca chego a lugar nenhum.

Penso tanto que chego a sentir um cansaço gelado

subindo pelas vértebras de minha alma.

O que deveria eu ter feito de mim não fiz,

O que fizeram comigo meu Deus?

O que farão comigo depois que fiz absolutamente nada pra eles?

Indeterminadamente pra eles.

Minha sombra empoeira-se com a minha covardia suja de amar,

ficando mais suja do que a higiênica limpeza,

mais suja e repugnante do que todos os que vivem, viveram e ainda viverão.

Devo ir pra onde Rosilene?

Devo ficar aonde?

Devo dobrar em que rua?

Minha dor poliforme, azeda e maleável me faz piscar os olhos,

e escondo o rosto entre as mãos.

Não olhem pra mim com seus olhares críticos.

Parece que faz alguns dias que estou aqui,

com os braços doloridos pela minha inércia,

com as pernas dormentes pelo destino,

pelo paralítico, sonolento Juiz atroz apelidado de Destino.

Claro que sei disso,

sempre foi minha culpa.

Fui eu, assumo que derrubei brutalmente as senhoras idosas e indefesas,

praguejei contra as freiras,

apertei o gatilho,

incendiei as escolas,

afundei o navio infectado de turistas,

desmatei as metrópoles com dinamites,

e berrei com ênfase:

_ Crucifica-o, crucifica-o.

Não precisa me apontar, assumo tudo,

fui eu quem cometeu os teus pecados.

Fui eu e minha fiel canina indiferença.

Empresta-me então teu remorso minha amiga

para que eu possa me culpar.

Empresta-me também teus arrependimentos

para que eu possa chorar.

( Paulo, lembro-me de quando brincávamos no colégio.

Só agora eu sinto isso, peso com as mãos,

e choro como quem não sabe fazer outra coisa.)

O mar reflete o sol que vai dormir nesse hemisfério,

dentro de mim mora uma noite que nunca se apaga,

uma noite que cresce mais rápida do que o infinito,

até preencher todas as lacunas do meu corpo.

Ao menos hoje se tu pudesses me controlar

sem que eu saiba que me controlas!

Se eu fosse prático como Ian Curtis,

ou sinistramente comum e tolerável como os demais bípedes simiescos,

ou inconseqüentemente inocente como Jonhy Rotten,

e aproveitasse o tempo como Sid Vinicius.

O cadáver de um cão bóia nas águas,

Consigo até ver a última imagem que ele viu antes de matarem-no.

Olhei pra ti e senti tua dor meu amigo canino.

Contudo, quantos me olharão, enxergarão e interpretarão minha dor?

Levanto-me e deixo minha vontade ativa no chão.

Matematicamente tudo falhou,

ou então, falhei em tudo!

Equações invariavelmente insolúveis de viver amanhã,

o que achei aqui foi mais uma dúvida,

foi mais uma incógnita gerada por mim.

Vou visitar o túmulo da criança que outrora fui,

levarei flores como manda a tradição,

depois irei pra onde meus pés quiserem ir,

até isso, menos dar ouvidos a racionalidade.

( O próximo capítulo desse poema não será exibido amanhã,

nem depois, na verdade nunca. Boa noite Rosilene.)

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 01/01/2008
Código do texto: T799108
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