Ao Dia da Poesia

Por que um dia da poesia?

De que serve um dia como este se

todos os outros dias

-e todas minhas outras poesias

são rigorosamente iguais?

Se fulgor d'alma ou desespero da carne,

se inspiração ou desassossego,

se surda ao tamborilar dos dedos

ou tênue ante a angústia dos amantes,

nada importa.

És poesia, arte do amor.

Encantadora mas que, por si mesma,

sequer sabe voar.

Precisas de nossa ajuda

- menos da minha, poeta vil que sou,

para seres o que és,

poema d'arte arrepiante e incontrastável.

Mas para que um dia para ti,

arte dos desgraçados,

se quem te homenageia sou eu,

justamente aquele que te produz?

Porque és meu ofício,

minha sina e minha paixão.

Meu vício,

invisível cocaína de minha ilusão.

Portanto parabéns a ti, arte que almejo,

a ti, sim, mas

não a este dia chuvoso que te representa.

Porque se dia algum houvesse de bem te representar,

não seria o 14 de março, nem o 12 de setembro,

ou o 10 de julho, mas o 30 de fevereiro.

14/03/2010, 09:42.

Fernando em Pessoa
Enviado por Fernando em Pessoa em 14/03/2010
Código do texto: T2137517
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