Natal
Natal
Pedi um sapatinho emprestado
Sem vincos nem cortes de muito usado
Limpei-lhe a sola, puxei-lhe o lustro
Ao atacador esmerei-me no laço
Junto à chaminé decorei um bonito espaço
Na penumbra da noite
Reluzia a esperança naquele sapato.
Vencida a excitação
Adormeci no ingénuo embalo
De que a tradição realmente se confirmasse.
Um sono irrequieto tomou posse do meu imaginário
Sob a forma de uma mão mostrando-me um calvário
Onde a crueldade humana se revelava evidente
Pudesse descer pela estreita chaminé
A clarividência que o coração dos homens
Fosse capaz de melhorar.
Em seguida fui embalado pelo sossego
O sossego das calmarias que antecedem os presságios
O das misérias, das fomes, dos frios
Mínguas de pão, de amor e de tolerância
O das dores, o das feridas de guerra
O sossego do sofrimento
Sofrido como bálsamo e remédio.
Por fim adormeci profundamente
Suspirando aliviado no sono da criança
Na que não tem que comer nem que calçar
Mas sabe sorrir e esperar
Acalentando a fé
Que um natal melhor possa um dia arribar.
Ao raiar do dia,
Na claridade que sobre a chaminé incidia,
Levantei-me e vi que ante o sapatinho
Havia embrulhos, laços, sacos
Havia decorações festivas
Mas prenda alguma existia
Que pudesse ser um prenúncio de redenção
Para melhorar a humana condição.
Moisés Salgado