Ode à São Paulo ("Non ducor duco")

Romeu Prisco

Uma cidade completando 453 anos

Outrora feudo dos barões do café

Quando então reinavam soberanos

Sem a presença dos camelôs da Sé.

Às margens do grande rio fundada

Agora, coitado, quase todo poluído

Do imponente Tietê não sobrou nada

Salvo um desaguar lento e inibido.

Ao longo cortada por duas marginais

Com a do Pinheiros também exibindo

Um leito flumíneo cercado de capinzais

Que nem assim deixa o rival sorrindo.

Trânsito caótico dando o que falar

De veículos a rodar sempre atrasados

De pés e mãos em posição de acelerar

De motoristas cada vez mais apressados.

Terra da garoa, capital da fumaça

Acusada até de ser túmulo do samba

Quando Adoniran deu o ar da graça

Para mostrar que nela havia bamba.

Berço de movimentos nacionalistas

Alavanca de sentimentos e ideais

Não tem preconceitos regionalistas

E nem manifesta interesses materiais.

Do Brasil é bravo e forte coração

Determinado no incansável bater

Nele o sangue de uma valente nação

Se põe incessantemente a correr.

Urbe cheia de contrastes e contradições

De ricos e pobres, de fartos e carentes

Sobra trabalho mas faltam colocações

Sobra alimento mas faltam clementes.

Já foi bucólica, romântica, lírica, vaidosa

Com brancos e negros desfilando elegantes

Belas damas fingindo não querer ouvir prosa

De nobres cavalheiros, educados e galantes.

Hoje é agitada, volúvel, atrevida, insegura

Seus pichados edifícios, casas e favelas

Estão à mercê de bandidos, que loucura

Moradores trancados entre portas e janelas.

Padre Manoel da Nóbrega sua história começou

Denominando-a aldeia de Piratininga no batismo

Padre José de Anchieta seu nascimento registrou

Ambos preservando vivos os ideais do cristianismo.

Mas não foi dádiva de Deus aos olhos humanos

Pois é dádiva dos homens aos olhos de Deus

De brasileiros, lusitanos e escravos africanos

A imigrantes italianos, japoneses, árabes e judeus.

Dessa autêntica miscelânea de raças e religiões

Formada à luz da obra do jesuíta missionário

Criou-se uma sociedade de múltiplas opções

Que bem justifica a composição do seu cenário.

Dele participam o jardim do parque da Aclimação

O Brás, com seu comércio de máquinas e madeiras

O Bexiga, satisfazendo o apetite do bom glutão

O Cambuci com as suas tradicionais brincadeiras.

A Vila Maria, quem diria, já foi abrigo de cartolas

Na ironia de políticos em acirrada disputa eleitoral

A Vila Mariana, nem se fala, prima por suas escolas

Desde o ensino fundamental ao último grau cultural.

O Paraíso e o Pacaembu se unem pela Avenida Paulista

Maior centro financeiro do país e notório cartão postal

Onde o MASP (*) impera em pleno reduto capitalista

E as emissoras instalam suas antenas de alcance mundial.

O cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João

Imortalizado na voz do baiano Caetano Veloso

Deixou até o velho paulistano quatrocentão

Do seu torrão natal mais ainda orgulhoso.

Non ducor duco”, sucede o brasão da sua bandeira

“Não me conduzem, conduzo”, assim se traduz

O lema da metrópole que despontou altaneira

Talhada para ser a líder que a todos conduz.

São Paulo: amar-te passou a ser um grande sacrifício

Odiar-te significa cometer enorme sacrilégio

Mantenha-se acesa a chama fulgurante do teu início

Conserve-se eterno teu sonho do Pátio do Colégio.

(*) Museu de Artes de São Paulo

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