Minha casa dos 40

Casa dos 40. Março. Cheguei.

Para a caminhada, escolho o conforto. Sigo sem salto, sempre tiro os sapatos, mesmo tendo consciência de ser certo o encontro dos espinhos com as plantas dos pés. Faz parte.

Ainda assim, prefiro andar descalça, ter as mãos livres, carregar poucos adornos, poucos acessórios. Prendo o cabelo porque o suor me enfurece. Amo o inverno.

Amo água gelada e não dispenso café quente, nem banho frio. Amo comer, e tudo pode ter pimenta.

Aprecio a caminhada, posso andar apressada, mas reservo paradas pra minha risada. E ela é fácil, gratuita. É alta. É minha.

Choro fácil e não tenho vergonha. Ele é fácil, gratuito. É baixinho. É meu.

Mas escolho meu riso, é meu melhor lugar. É onde me reconheço, mesmo de olhos fechados. É por onde recomeço, mesmo após o fracasso. É o que ofereço.

Ainda tem meus versos, eles me acompanham. Falam mais sobre mim do que eu. Falam pra mim. Falam do meu amor, dos meus amores. Nunca foram só letra num papel. Nunca serão.

E tem a insônia. Talvez ela seja minha também. Gosta de meus versos. Dela não me livro.

Não tenho habilidades manuais. Não consegui dominar a arte do tricô, crochê, pintura em tecido, anduti, fuxico, bordado e patchwork. E tive a melhor professora. Sem frustração.Aprendi com ela outras e melhores lições:

Sobre amar, doação, lutar e não desistir.

Sobre ter fé, retidão, compaixão e levantar quando cair.

Sobre estender a mão, abrir os braços, olhar nos olhos, olhar para o alto e resistir.

Tive formação regular do que se chama amar e sei desenhar um coração com dois riscos.

Sou aprendiz dessa professora. E sou ainda mais aluna no ofício de ser mãe. Mãe de dois. É tudo novo. Exceto o amor, que é um velho e íntimo conhecido. Sem manuais. Com referência. Dou minha vida. Meu coração. Prefiro aprender.

Sou desastrada. Quebro telas e copos. Não quebro promessas. Sou um baú de memórias de músicas antigas. Amo poesia e não decoro um verso. Sou um banco de reconhecimento facial. Falo idiotices e assim faço graça. Às vezes sou ácida. Muitas vezes não sei o que dizer. Lembro de tudo que falei.

Sou curiosa. Me interesso por vidas.

Sou cuidado. Sou zelo. Mesmo sem receber de volta. Missão.

Sou ouvinte, sou intervenção.

Sou leal e fiel.

Não sei perdoar.

Não sou perfeita.

Não sei dizer que não doeu.

Posso esquecer de quem não soube amar.

Lembro de quanto é bom amar. Me dedico.

E amo.

Sei ser amiga. Abraço.

E amo.

Para a caminhada, conforto dos pés. Deixo pegadas tamanho 38. Levo topadas. Recupero o equilíbrio.

Fiz 40, uma tatuagem, tenho ceratocone no olho esquerdo, consumo perfumes e histórias de vida, tenho amores que me valem a jornada, recarrego minha vontade de seguir.

Sigo. Busco. Cabeça nas nuvens. Pés no chão.

Alda: (sempre) velha, (muito) rica e (aprendiz de)sábia.

Alda Guimarães
Enviado por Alda Guimarães em 24/05/2020
Reeditado em 24/05/2020
Código do texto: T6957119
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.