TRILHA DOS SIMPLES (ODE AO PRESENTE MILÊNIO)

À querida amiga Naza Breeman.

TRILHA DO SIMPLES

Estás comigo, coração futuro,

melhor amigo, flor de perfume incalculável,

vento de proporção admirável,

sangue de sinceridade.

Sei que estás presente

agora ou no dia que há de vir.

És o mesmo cometa luzente

a trazer a era do porvir.

És aquele ser que reparte,

terás o teu viver resumido no trabalho

e no bem da arte.

Ceifas o milho,

entregas ao companheiro.

Ceifas o brilho, entregas ao companheiro.

Associado ao prazer da vida,

empreenderás tantas maravilhas!

Tanta poesia encantará o teu coração grandioso.

Na bebida mais valorosa,

no bem mais precioso

embriagar-te-á risonho,

compondo na doce realidade

um livre e edificante

sonho.

Estás comigo, coração futuro,

flor incalculável [de terras paraenses] prevendo as eras de sabedoria.

Pois o nosso coração

não é mais que uma peça abrupta

que se vai moldando aos poucos

por intermédio da cicatriz de todas as lutas.

Sei que muitos não quiseram confiar na vida,

pararam no egoísmo qual infantis;

que muitos, ao pararem, ainda se afundaram, vergonhasamente.

Mas, neste momento, pensemos na fraqueza

e veremos

que ela é uma condição humana.

Porém, não pensemos como os céticos

que, por um defeito no homem,

desacreditam de toda a humanidade.

No fundo, eles mesmos se contradizem,

porque continuam vivos.

Alguns céticos até preocupados em tudo condenar,

mas fazendo parte do lucro e dos interesses

que o mundo injusto construiu.

O homem é a contradição ferida que nasce a agonizar na terra.

Sua fraqueza pode se desenvolver ou se estagnar,

pode desaparecer a qualquer momento do esforço.

Claro que cada humano possui um modo de ser,

mas também possui a opção de moldar este ser

ou para o lado luminoso,

ou para a escura treva,

ou para a repetição neurótica dos erros.

Esta é a contradição ferida

que se faz dentro do homem e fora no mundo.

Pode tender para a desonra e destruição do mundo,

ou para a esperança e a projeção para um mundo

no qual impere a farta e a firmeza de maior realidade amiga

abrangente em torno de todo o coração frutífero futuro.

Estás comigo, coração futuro,

melhor amigo, flor incalculável [das terras de Belém], vento de proporção admirável.

Neste momento que se combata os incentivadores do sofrimento.

Importa, agora, saber a força de uma simplicidade.

E tu és simples, pobre e insegura.

Os poucos sábios poderão maravilhosamente

semear teu coração...

Esta humildade, que marginaliza,

foi fruto de séculos violentos,

treinados sob chicotes

da injustiça e da ambição.

Mas tu, marginalizado da era recente,

rebaixado às condições precárias e vergonhosas,

é de ti que nascerão as transformações!

Para que não te percas, amigo,

para que não te esqueças da simplicidade,

a sabedoria estará contigo,

pois, já que nasceste da condição de rebaixado,

esforça-te para não se degenerar;

para isso, terás a prática e mil exemplos

dentro deste protegido mundo construído pelos esforços de tantos,

e uma vida de harmonia

na qual aprenderás, sempre, a certeza das coisas,

apagando, a cada dia, a corrupção que restar.

Saberás por certo, assim,

cumprir as linhas sinceras

que encaminham, a passos largos,

pois estará fundamentado o seu caráter

inabalável, modificando-se em sentido de maior clareza.

Caráter anti-tradicional, anti-depravado,

caráter apenas simples, reconhecendo as coisas boas,

reconhecendo o limite do indivíduo: o coletivo,

pois lá ele se entregará e se integrará, sendo independente e respeitando a comunidade;

harmonizando-se com ela, desenvolvendo-se dentro dela,

pois tudo se realiza em comunidade... se objetiva na comunidade;

são a linguagem e a comunidade ambas em busca do progresso

bandeirante dos idiomas,

é o indivíduo e sua luta pela comunidade,

pois ele é um nome que o social lhe concedeu,

para que ele seja integrante e pertencente a este social.

Livre dentro deste coletivo!

E não dentro de uma sociedade alienada,

grávida de relações apenas frias, estúpidas e aparentes,

na qual todos permanecem estranhos uns aos outros...

Mas uma sociedade de harmonia,

não dividida, na qual tudo é sinceridade:

o diálogo límpido, leve e agradável...

Uma sociedade realmente sociedade, não separada em seu interior,

mas unida na mais forte junção de vidas.

Não se trata de um paraíso de santos

que construirás,

mas uma terra de homens com condição de vida,

uma terra onde o homem possa ser homem,

viver com o coroamento de ser homem,

viver como deve viver um homem

reconhecido pela fertilidade de sua carne

que significa humanidade, humanidade...

É em ti,

homem pobre, homem simples,

que palpita esta responsabilidade.

És tu que deves te manter simples e lutador,

tu que vives a responsabilidade

se fazer crescer a flor futura.

Conheces as misérias e as amarguras,

foste cativo e és o cativo de fumaças hostis.

E nenhum que defende a ordem dos erros

vem sofrer por ti, vem sentir a miséria na carne.

Conheces tudo e sabes, em teu subconsciente,

homem simples, o quanto tu penas.

Porém, emerge sorridente,

mesmo sofrendo pelos dias...

Confio em ti, amigo construtor de um novo mundo,

Saberás, apesar de tudo, ouvir as vozes da sabedoria.

Saberás que nela está reunida

a confiança do homem na consciência leve;

ela significa o respeito ao próximo,

prega a lei do fim da mesquinhez.

Vê em nossa essência uma igualdade franca e companheira.

Vê a tua inteligência proibida, homem simples,

avance em defesa dela!

Avance contra o fim dos caprichos!

dos exclusivismos, da falsa nobreza, de todos os lixos

que servem, apenas, para dividir ainda mais a humanidade

e consumi-la no desespero, na implicância,

na tensão de um asilo,

que transforma o nosso coração insensível.

Esta é a sabedoria sem arrogâncias, ideais

sem retórica oficial, não pagando nada a instituições,

não ficando tão-somente na pedra das tradições.

Sabedoria despida do orgulho dos que se fartam injustamente,

dos que se glorificam, achando-se os mais inteligentes.

Aprenderás a sabedoria, homem construtor, homem simples,

e ser simples já é a base da sabedoria...

Falta, apenas, mais desenvolver...

Isso, homem simples! sino cinzento

que vai despertando... Bota de ferro que vai marchando!

Há muito começaste a nascer,

para ti escritores trabalharam, filósofos ensinaram, profetas cantaram.

Para ti, criança nova,

que futuramente carregará

a noiva que é a sabedoria dos povos,

e aí será um feliz casamento

entre o homem verdadeiro,

tranqüilo e simples,

com a moça mais linda: a sabedoria.

Nela interiormente irradia

palavras de construção,

luzes de união, eflúvio de beijos,

força no edifício universal.

Um Novo Ano do presente Milênio se aproxima...

Acendem-se as velas,

assim se vence a escuridão.

Faltou a energia e acendem-se as velas,

assim se aclaram as partes recôncavas

e pode-se impulsionar as molas

e arrumar todas as roupas.

Acendem-se as velas,

matando a fome dos olhos,

sustentando todos os movimentos.

Acendem-se as velas,

não para velar:

disto o mundo fartou-se.

Acendem-se as velas

não para os círios,

mas para os novos heróis que as carregam,

formando um balão de velas

para quem quiser junto voar

e tudo conhecer.

Acendem-se as velas!

Quem as acendeu? Foi um coração...

E por que acendeu?

Porque ele vive,

e se ele está morrendo é porque ele quer viver.

Balança a chama da vela,

tremula, mas iluminando

tímida, mas enfrentando as trevas e

efetuando a sua disputa com a escuridão.

Acendem-se as velas!!

Que nova luz...

Que sombria tela

possuindo a luz vaga, vagando e descobrindo os recantos,

espantando os bichos nocivos,

descobrindo um ângulo

em que se estaciona só um minuto para descansar,

para reforçar a outra vela misteriosa que quer,

também, iluminar.

Acendem-se as velas!!!

Descobrindo sucessivamente um novo ângulo

em que não mais se estaciona para descansar,

um novo ângulo

em que se deve estar pronto

para se lançar, para se acionar, e que as velas não se apaguem...

FERNANDO MEDEIROS

verão de 2005... quase-2006