A pé e de coração leve eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
o longo atalho pardo à minha frente para levar-me
aonde eu queira.
Daqui em diante não peço mais boa-sorte, boa-sorte
sou eu mesmo.
Daqui em diante eu não lamento mais, eu não adio mais,
Não careço de nada;
acabei com as queixas portas adentro, bibliotecas,
críticas rixentas;
forte e contente vou eu pela estrada aberta.
 
 
A terra é quanto basta:
não quero as constelações nem um pouco
mais próximas,

sei que estão muito bem onde se encontram
e sei que bastam para os que a elas pertencem.
(Ainda aqui eu carrego minhas antigas cargas
de delícias;

carrego - mulheres e homens - carrego-os comigo
para onde eu vá,
juro que para mim é impossível livrar-me deles,
deles estou recheado e em troca eu os recheio.)
 
 
A terra a se expandir à direita e à esquerda,
pintura viva, cada ponto com sua luz melhor,
a música descendo onde faz falta e em silêncio
onde sua falta não se sente,
a álacre voz da estrada pública, a alegre e fresca
sensação
da estrada.
Ó estrada que viajo, a mim dizes: - Não me deixes?
Dizes: - Não te aventures, se me abandonas
estás perdido!

Dizes: - Já estou preparada, sou bem batida
e refugada nunca, cinge-te a mim?
Ó estrada pública, eu respondo que não receio deixar-te,
embora goste de ti,
tu me expressas melhor do que me expresso eu mesmo,
hás de ser para mim mais do que meu poema.
Penso que feitos heróicos foram concebidos todos
a céu aberto,
também os poemas livres,
penso que aqui eu poderia parar e fazer milagres,
penso que eu hei de gostar de tudo que ache na estrada,
e quem quer que me observe há de gostar de mim,
e penso que se sentirá feliz toda pessoa que eu veja.
 
 

Allons!  Quem quer que sejais, vinde viajar comigo!
Em viagem comigo encontrarei o que não cansa nunca.
A terra não cansa nunca,
a terra é rude, quieta, a princípio incompreensível,
a Natureza é rude e a princípio incompreensível,
não percais a coragem, continuai, existem coisas divinas
bem escondidas,
eu vos juro que existem coisas divinas mais belas
do que possam as palavras dizer.
 
 

Allons!  Não devemos parar aqui,
por mais doces que sejam estas coisas arrumadas,
por mais conveniente que a habitação pareça,
não podemos permanecer aqui;
por mais abrigado que seja o porto e por mais calmas
as águas,

aqui nós não devemos ancorar;
por mais acolhedora que seja a hospitalidade
à nossa volta,

não nos é permitido desfrutá-la
senão por bem pouco tempo.

Ouvi-me!  Serei honesto convosco:
não ofereço os macios prêmios de sempre,
mas ofereço
ásperos prêmios novos.
 
 
Assim hão de ser os dias que vos devem suceder:
não acumulareis as chamadas riquezas,
distribuireis com mãos pródigas tudo o que adquirirdes
ou ganhardes,
mal chegarei à cidade à qual vos encaminháveis,
dificilmente vos estabelecereis visando satisfação
antes de vos sentirdes convocados
por um irresistível chamamento à partida,
deveis habituar-vos aos sorrisos irônicos e às zombarias
daqueles que deixardes para trás,
aos acenos de amor que receberdes apenas respondereis
com apaixonados beijos de despedida,
não consentireis o abraço daqueles
que vierem com mãos ávidas em vossa direção.
 
                                                     
(tradução de Geir Campos)


 
                 ***  ***  ***  ***

        Whitman,  Walt.  Folhas de Relva.  Seleção 
          e tradução de Geir Campos.  Ilustrações de 
          Darcy Penteado.  Ed. Civilização Brasileira. 
          Rio de Janeiro, 1964.   



Walt Whitman (EUA)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 28/10/2011
Reeditado em 28/10/2011
Código do texto: T3302896