Tentação
Pus meu sonho derradeiro
num navio a bolinar
sem contar caiu num charco
quer o sonho quer o barco
era vê-los a afundar.
Era o sonho que restava
de um passado de utopia.
Quanto mais ele afundava
ai de mim, mais tiritava
pelo frio que sentia.
Tendo a costa ali tão perto
era enorme a tentação.
Mergulhar até à margem,
vê-lo a ele seguir viagem
e a mim a salvação.
Já corria para a popa
para do sonho fugir.
E sonhava já, risonho
como é bom dormir sem sonho,
e na onda deixar-me ir.
Foi então que olhei o Céu.
E não vi luz
na Estrela Polar.
Até aquela criança
de olhar triste
deixou de sorrir.
Tomei o leme.
Apertei-o
como quem espreme
o passado.
Pus de lado
a tentação
de sonhar acordado.
E nesse segundo,
a cantar,
sem medo do charco,
ou do mar ou do fundo
juntei os cacos do Mundo
no barco
e voltei a sonhar.