Carência

Estou carente de vozes, zunzuns, balbúrdias,

vocês todas, de repente, ficaram mudas;

já não mais suporto esta monotonia

e estas teclas ásperas e frias

do teclado insensível e quadrado,

sem vida, objeto abjeto, tapado,

que passa a meu lado, os dias.

Avoluma-se-me uma interminável ausência

de seres singulares e compostos

de carnes, veias, vasos, vozes e ossos;

Complexos: ora, de beatitude; ora, de indecência

cheios de pecados e de pensamentos e de pudores,

rasos os olhos de risos e de choros e de amores,

Que já quase me entrego à demência,

longe assim de falas, de peles, de cabelos e de vistas

não mais caibo neste mundo de capitalistas,

Doutos da ruptura humana e da reticência,

que cerceiam a carícia e o laço e o choque carnal,

quase nos levam a uma viagem banal e infernal,

Pois que nos lavam o sentido e extraem a essência,

fazendo de todos uma corveta distante do porto,

em moderníssima e inexplicável máquina torna-se o corpo.

No entanto, sem préstimos, posto que vivência

abalroada de compromissos dos negócios,

na verdade, é apenas isso: um pacote de instantes beócios.

Todavia, ainda que cedo nos acordemos, o tempo na Terra

já se terá esgotado e, lá na vida eterna

perdurará, contudo, a irrevogável falta da presença

De pessoas, psius, pausas, pernas, prantos,

vozes, velas, vindas, voltas, violas e cantos

reservados ao apego, ao afago, à quase concupiscência.

Vivamos, enquanto há energia e sinergia e alegria no físico

que alimenta os órgãos vitais e o espírito

e supre a tênue linha da ausência.

Cid Rodrigues Rubelita
Enviado por Cid Rodrigues Rubelita em 30/05/2006
Reeditado em 16/08/2007
Código do texto: T166104