SOLIDÃO

Não ter mais louça pra lavar,

nem precisar deixar a luz lá de fora acesa.

Poder dormir atravessado, no meio, no lado que quiser,

poder trazer toda coberta sem limite nem culpa.

Ter o o reinado do silêncio como súdito e senhor,

poder comer até se fartar e nem pensar no que fazer depois.

Não ter a cicatriz dos frutos marcando a alma,

nem ter que hastear bandeiras ou limpar a praça na hora da festa.

Poder falar todos os desencantos para o espelho e nada ouvir de volta,

ter a certeza de que não restarão musgos ou fendas após os quebrantos da dor, sejam elas quais forem.

Olhar para todos os lados e ver, somente, lados,

ser capaz de arrumar a mesa sem regras, desafinando o que for preciso, acarinhando as beiradas feito mechas de algodão,

esperar toda hora por aquela carta que nunca virá, certamente nunca virá.

E de repente começa a chover, os céus parecem que enfartaram ou viraram do avesso.

De repente, o vaso vazio se enxama de flor, aquele criado-mudo empoeirado recebe uma bendita transfusão de sangue, que faz suas veias enrigecerem como nunca.

O chão, encardido por não ter pegadas ou manchas de suor, tira suavemente sua roupa de briga e incorpora a sua mais linda roupa de festa.

As paredes começam a alargar seus sorrisos, as portas se curvam diante do rei até chegar no chão.

Panelas que jaziam ao léo começam a alongar seus músculos para uma jornada que era mais do que esperada fazia tempos.

As toalhas que estavam feito pele de ouriço, agora se sedam ao som frugal de melodias húngaras de aldeia.

Móveis que antes se rinocerontavam numa lânguida e linguada paisagem, agora se desparafusam de suas amarras para alçar novos confins, novas clausuras que serão, por certo, menos amargas e bem mais dedilháveis.

O silêncio foge feito feto excomungado, e tudo acende como se noites nunca mais forem roçar aquela outrora pocilga.

Que um dia se fez mulher, se fez mostarda, se fez adeus.

E que hoje, por fim, se faz guerrida, se faz aflita e se faz o que pra sempre quis.

Solidão, nunca mais.

----------------------------------------------------

Conheça o meu site www.vidaescrita.com.br

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 31/01/2010
Reeditado em 11/04/2011
Código do texto: T2061194
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.