sobre a mesa (o dia do amigo)

sobre a mesa

botamos meia-dúzia de cervejas,

botamos também a certeza

de que não queríamos conversar,

queríamos apenas solfejar

sobre coisas distantes e alegres

que acabariam depois

trazendo alguma tristeza,

sobre coisas de uma amizade

que nunca existiu entre os dois

mas que (des)acreditamos que sim,

sobre promessas de nos vermos no outro dia

o que possivelmente não ocorreria,

solfejar sobre o quanto

já fomos irmãos... assim tão distantes,

também sobre o custo de vida

sobre as gestantes

sobre a contenção da natalidade

sobre a problemática habitacional

e, sem sombra de dúvidas, sobre o futebol

que suplantaria até mesmo

o tema da mulher pelada

o teorema que nunca diz nada

além da imagem promocional

ou do puro fulgor do consumo

não conversaríamos sobre a necessidade

que têm as pessoas que realmente se gostam

de se ver a cada manhã

ou em cada fase do dia

para falar do que viesse ou do que viria,

como daquela vez em que saímos

com duas prostitutas cada um

espantando até mesmo o garçom

e nos internamos com elas

cada um em um quarto

ou como daquela vez em que chegamos de fato

ao nosso projeto de redução drástica

das flagrantes desigualdades sociais

cada vez mais habituais

em nosso querido país

conversar sobre o que não se diz

e não apenas pra solfejar

sobre uma amizade (in)feliz