Caixa de guardados
Um poema e algumas fotografias
Duas troças são relíquias
Um punhado de bilhetinho
Um monte de saudade
Um resto de carinho
Um palito de sorvete,
Papéis de bala e um rabisco de giz
Neste dia, eu fui feliz
Um recado de batom
Na capa do caderno,
Uma promessa, que ainda vinga
De que meus filhos serão teus
Não os tive, mal conheço os seus
Fadiga de lembrar, a ansiedade matinal
Quando as manhãs faziam sentido
Quando o meio-dia era mais colorido
Quando meu lábio
Afogava no seu
Quando Murilo legislava leis
Fora dos muros do colégio
E os olhos do padre
Na confusão de nossas línguas
Previa sacrilégio
E eu, tão moço
E morrendo sem saber
Abdicando tudo
Pra seguir em frente
Com pressa, com pressa
Um boneco de nome Tico
Recheado de miçanga, com cara de borracha
Está perdido nos meus guardados
Materializando a lembrança
Do sonho que tive
Quando as quintas me foram prometidas
Em troca de beijos e mordidas
Dessa boca cativa
Enquanto durasse o prazer
Quando meus dedos
Furtaram descuidados
A pureza de sua juventude.
Nestes dias, o olfato me trai
A certeza se esvai
Já nem sei se vivi
A música sucumbe
A fita azul desbota do vestido
Igual a tinta que previa
Lançada no branco opaco do verso da fotografia
Em linda caligrafia
O fim que chegou.