AMAR: PERDER O NOME DAS COISAS

Por mais que eu diga

que o tempo é tarde

e o amor pertence

ao coração antigo

- pérola pedra

voz abissal

de tão silenciosa -

chegaste e nada cala

esta voz nova

e o medo de perder

antes do ganho.

Amor que dá peso aos minutos

e reinstaura a dúvida

sobre o que se é:

Semente?

Espinho?

Ausência de si mesmo

por se estar no outro.

Ausência de voz

para o tanto a ser dito.

Cautela absoluta

pelo tanto a ser calado.

Estar na amplidão de tudo

o que é olhar e corpo.

Amor que chega

recortando o tempo

em mil pedaços.

Amor de espera

contaminando os gestos

do dia-a-dia

as ruas.

Estranhamento de tudo

tornado outro.

Outro acordar de manhã

outro adormecer

outra natureza

nas noites brancas

outro silêncio e paz

outro cansaço e voz.

Todo o oculto e o esquecido

pulsando

na pele, nos ossos.

Eis-me aqui

eis-me aqui

sem outra certeza

que a de estar nua

desde os recessos da alma.

Amar é isto:

Perder o nome das coisas.

Amar é isto:

Pássaro exausto

abençoando o vôo

e o pouso impossível.

Do livro inédito CRAVO VERMELHO TERNO BRANCO, de 1991, "publicado" para um único leitor.