Janeiro

Enquanto esperava por ela

Passavam crianças empinando pipas

Homens comentando política

Mulheres falando de moda

Cachorros latindo

Mendigos pedindo esmola

Padres rezando

Putas vendendo o corpo

Promessas vendendo a alma.

Enquanto esperava por ela

Crianças viravam adultos

Homens se desiludiam

Mulheres dormiam maltrapilhas

Cães adoeciam

Mendigos morriam de fome

Padres se perdiam de Deus

Putas apodreciam

Promessas entregavam a alma ao demônio.

Enquanto esperava por ela

Adultos envelheciam

Homens morriam

Mulheres também morriam

Cães nem mais existiam

Mendigos jaziam em covas rasas

Padres renegavam a fé

Putas se suicidavam

O demônio sorria.

Um dia, enfim, ela resolveu vir.

Bateu a porta, mas a porta se calou.

Chamou meu nome e o silêncio se fez saber.

Adentrou a casa tateando o escuro

e o escuro não me deu a ela.

Procurou minha cama e a encontrou arrumada.

Vasculhou cômodo por cômodo e,

diante da inexorável ausência,

atordoada,

sentou-se na poltrona empoeirada e,

enquanto revivia lembranças,

eu vagava por onde me fora dado não ser:

agora fazia parte do cosmo.

Carlucho
Enviado por Carlucho em 26/09/2008
Código do texto: T1197517
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.