LUFADAS I-VII
LUFADAS I
Não acredito seja triste este minuano,
como tantos por aí ouço dizer;
quando sopra, de energia vem me encher:
são os dias mais alegres do meu ano.
Com as penas desse vento o mal espano
que se acumula nos cantos de meu ser;
o minuano me arremete um tal poder,
que com grotas e coxilhas eu me irmano.
Ele me enche de loucura a mente:
ouço o tinir de espadas com afinco
e os gritos das degolas me perseguem;
mas das prendas o canto é mais freqüente,
que a espora a tilintar em trinta e cinco
nessa poeira de entreveros que me ceguem.
LUFADAS II
Por essas ruas o minuano me alimenta
com mil retalhos de conversações;
alguns são vozes dessas multidões,
cuja visão o olhar me representa...
Mas outros, minha mente se contenta
de imaginar, apenas... Expressões
que não se escutam mais, exclamações
em castelhano arcaico, que apresenta
um teor fantasmagórico... Ou então,
são vozes portuguesas descarnadas
ou mesmo estranhas frases em tupi...
Retalhos que o minuano, em giração
recolheu pelas épocas passadas
e, quando sopra, esquece por aqui...
LUFADAS III
Para mim, esse sopro do minuano
nunca foi agressivo, nem cruel:
ele exerceu somente o seu papel
de me tornar mais forte e mais humano.
A cada vez que completo mais um ano,
sinto nos ossos que tal sopro fiel
endureceu-me o ânimo rebel
de não me conformar com o meridiano
que para mim traçaram... Na medula
eu sinto a ânsia da gaúcha liberdade;
esse zunir gelado é o meu regalo,
as chicoteadas das crinas do cavalo
sobre meus dedos, que essa rédea anula,
mesmo nascido e criado na cidade...
LUFADAS IV
Minuano não é só o esvoejar do vento
que passa e vai embora, sem saudade;
nunca ele deixa a querência de verdade:
empurra as nuvens e volta num momento.
Esse mistério, que percorre num alento
o pampa inteiro, recolhe a liberdade
e aninha no seu ventre a unidade:
Uruguai e Argentina em solo assento,
com o sul deste Rio Grande interligado,
muito mais que com o norte do Brasil;
porque gaúcho é quem percorre o pampa
e ninguém mais do que o vento tem passado
por canhada e rincão e pastos mil
que este minuano que dentre nós se acampa.
LUFADAS V
O Minuano que nos vem da Cordilheira
nos traz a neve dos montes elevados.
O Minuano que nos chega de Ushuaia
brame da Antártica nos lençóis gelados.
O Minuano que nos sopra de Entre Rios,
de Corrientes e Misiones cheira a gados.
O Minuano que nos sobe de Rivera,
de Melo e Fraile Muerto traz dobrados.
Vem de Montevidéu, de Uruguaiana,
de Jaguarão, Colônia e Maldonados...
Vem do Alegrete e venta de Carmelo,
de Paysandu e Flores, enlaçados,
de Quaraí e São Borja, até Bagé,
pampas inteiros nesse vento entreverados...
LUFADAS VI
Não é só geografia, sopra história:
envoltos nesse vento dormem anos,
séculos dançam e dias araganos
em mescla pura e decantada glória...
Me traz o cheiro do combate antigo
e da lida constante, gado e ovelha,
a cavalhada que o vigor espelha,
o torrão e a casa grande, o velho abrigo...
E os cheiros da cidade, dessa gente
que pouco a pouco a fez crescer do chão,
nesses tijolos feitos de invernadas,
no cal feito de lã e de aguardente,
na pedra retalhada com canhão
e na argamassa do sangue das charqueadas.
LUFADAS VII
Esse minuano que me entra nas narinas
e dos pulmões penetra o corpo inteiro
é luz de geada e pó de cavaleiro
rede de asfalto e odor de longarinas...
Tudo que corre a campanha, as jóias finas,
as bugigangas, o tecido mais grosseiro,
a renda delicada, pocilga e galinheiro,
do peão a barba e os rostos das meninas
formam o olor que nos demarca o pago
esse cheiro sutil, que não se encontra
por onde quer que se percorra o mundo...
Traz passado e futuro, o bom e o aziago,
entreverados nessa arcana montra:
vento minuano... em seu cantar profundo!