ANDEJO I
Tropeiro velho vive de minuano,
que lhe entra direto no pulmão,
lhe faz bater mais forte o coração,
fogoso fica que nem potro cigano.
Dizem que o vento passa, ano após ano,
e nunca volta para seu rincão,
que o uivo é choro de uma solidão,
escondida no poncho do aragano.
Mas não é bem assim: ele atravessa
a palha dos ranchinhos e se aninha
nas ventas do tordilho e no potreiro.
E o peão velho, numa erva espessa,
do pago inteiro na cuia se avizinha,
nesse vento que é o sonho do tropeiro.
ANDEJO II
Tropeiro velho se perdeu do cusco
que as feridas lhe lambia antigamente;
sua vida demudou, tão diferente,
que nem mateia mais ao lusco-fusco...
O capataz lhe fala em tom mais brusco
e o poncho é um furo só nesse valente
vento mais velho que o andejo é gente,
fazendo troça do pobre do velhusco.
E chega o dia em que no seu galpão
não querem mais, já que pouco trabalha:
lhe dão uns pila, fingindo uma bondade,
que não paga sequer o chimarrão.
Na longa trilha não há deus que o valha:
vai passar fome em toca ou na cidade.
ANDEJO III
Tropeiro velho que perdeu querência,
vai se enfiar em ranchito de torrão:
amassa o barro com sua própria mão
e deixa ao sol, cozendo, com paciência.
É até menos pior, pois no verão
essa casinha é fresca; o santa-fé
protege bem da chuva; e o vento até
não lhe esfria no inverno o coração.
Enfim, do pampa retira seu sustento:
em qualquer sanga pode encher a bilha,
um pouco caça, pesca outro poquito...
Mas se precisa mesmo de alimento,
descasca com cuidado a corunilha,
o pobre andejo: e vai vender palito!...
ANDEJO IV
Tropeiro velho que nem tem mais pingo,
dorme em pelego ao canto do galpão:
Se campereia, o cavalo é do patrão;
e mal e mal, nesta canção, eu vingo
toda a injustiça na vida do peão:
em cada verso seu suor respingo,
seu sofrimento nem um pouco extingo,
pois nem traz raiva no seu coração...
Depois de tudo, ele acha natural,
pois nunca teve apero ou nazarena,
era o estancieiro que bebia a nata
do leite que apojava em seu curral...
Não tem mais bota, que dirá chilena,
o andejo velho troteia de alpargata!...
ANDEJO V
Tropeiro velho que deixou da china,
que não quiseram ver mais no galpão,
foi pra cidade, vive num porão:
nem mora mais, se entoca nessa mina!
Água de bica, banho numa tina,
aquece um carreteiro com feijão,
que mal tem carne, de sal tem precisão,
dorme enroscado no enxergão de crina.
Hoje está magro, pobre, desdentado,
de seu braço fininho, engruvinhado,
a força inteira de seu muque foi-se...
Se hoje come churrasco, é de limozna,
em vez de mate, toma chá de losna,
bem mais amargo que o amargo é doce.
ANDEJO VI
Tropeiro velho que deixou da china,
dorme em pelego ao canto do galpão;
tem por consolo a farfalhante crina
e o amargo verde de seu chimarrão...
Quando recorda os peitos da menina,
só toca as curvas do seu violão;
e nas quebradas passa a triste sina:
calor de geada é o poncho do peão!...
Só tem querência quando encontra a morte,
na cova rasa que uma cruz nem marca;
mas, se o fértil esterco a chuva encharca,
cintila sobre o pago um riso forte,
do taura que triunfa sobre a sorte:
seu coração se expande: e é patriarca!