sonetos de um amor sem fim...
REPROVAÇÃO
Não é que eu queira hoje, em forma de chantagem,
Reprovar a teu corpo o fruir da luxúria:
Assumo totalmente o peso de minha incúria,
Se o favor de tua carne pra mim foi só miragem.
Mas nesta noite o vento me sopra brandamente
E o suspiro que ouço, pejado deste orvalho,
É o de ninfas no cio, de um imenso carvalho
A gozar das carícinas, nas frondes tão freqüente.
É a mim que me reprovo, entendes? Nesta noite
Estás longe de mim --- e qual fatal açoite,
É teu este gemido que o vento traz de orgasmo.
E os dedos não são meus, a boca não é minha,
E o esperma derramado ao ventre da rainha,
Por não fluir de mim, vergasta-me de espasmo!...
BAILE
Guardo da vida grão ressentimento
Pelo bem que não tive e não terei,
Pois tanta coisa de simples não gozei
Na hora aprazada e em seu gentil momento.
Fico aqui suplicando desatinos,
A mastigar aromas e perfumes,
Mesclados de palor e de azedumes
Pelo velório de sonhos peregrinos...
Que meus dias à toa se escoassem,
Que meus desejos não realizassem,
É, afinal, destino bem comum...
Mas que eu fosse tão fértil em desejos!
Que desejasse, enfim, ter tantos beijos
Quantos sonhei --- e não vivi nenhum!...
ENREDO
Pois fazer mil sonetos é bem fácil:
É não fazer o quanto mais se deve,
É nunca responder quem nos escreve,
É não aventurar-se ao bem mais grácil;
É ficar sempre isento de alegria,
É privar sempre de amor o coração,
É guardar-se somente na ilusão,
É fingir não sentir quanto sentia;
É manter-se no escuro em claro dia,
É faminto ficar-se de desejo,
É fingir-se de surdo à melodia;
É fugir-se do amor ao puro ensejo,
É furtar-se aos aromas da elegia,
Para perder-se ao sonho de teu beijo.
ARFAR
E eu fico a matutar, sorrindo ao vento,
Teu corpo o que fará, de quem nos braços,
De quem ternuras lanças nos regaços,
De quem o ventre, em assanhado alento
Consolas pelo ardor da carne tua;
E que prazer tu sentes nos prazeres
E que alegrias tem nos teus quereres
Quem hoje te contempla, toda nua...
Que eu sei de ti somente ser ardente,
O corpo n'alma e o triunfal poder
Do teu sorriso estranho e indiferente;
Não são zelos, enfim, do teu viver...
Mas nesta noite de esplendor pungente
Não me podes culpar --- por te querer.
AMBLYOPE (Tradução abaixo)
So that's my Fate: to see myself doubled,
In the same generation that left me forlorn,
Ever so often my Love's crafty smile torn,
Again so often by such Love troubled.
I ran away a little, you showed a little scorn,
And then you challenged me in hatred and struggled
My bitter flesh to bound --- and with vastness adorn.
Repealed, invited, beckoned, in withdrawal boggled...
Never understood women, men have never known,
I only ken myself --- and the Love from me flown
Toward you --- the Love unpent and unenjoyed.
Love so often lost, in Love never rejoiced,
Love within my grasp and lost the Love sought:
Love minced to bits the only Love i caught...
AMBLÍOPE (Tradução)
Meu destino, afinal, é ver-me duplicado
Na mesma geração que tem-me desvalido,
E quantas vezes creia Amor tenha sorrido,
Nas mesmas vezes tenha Amor desprestigiado.
Um pouco fujo eu --- eu pouco tu me evitas,
Quase me desafias, em detestar me odeias,
A carne minha amarga de vastidão enleias.
Repeles, retrocedes, acenas e concitas...
Nunca entendi mulher, dos homens nunca soube,
Eu sei só de mim mesmo, eu sei quanto te quero,
Amor não cabe em mim, Amor nunca me coube:
Amor que perdi sempre, Amor não recupero,
Amor que julgo ter, um outro Amor me roube,
Amor que despedaça o Amor que mais espero!...
DEVANEIO...
Seria tão bacana que os sonhos esquecidos,
Meus sonhos de menino, pudessem retornar:
Que todos, a uma voz, pudessem ressonar
Os ecos moribundos de meus ideais perdidos.
Seria tão bonito, se os sonhos olvidados,
Que a vida cruelmente em arcas resguardou,
Volvessem realidade os olhos que se amou,
Os beijos irreais e abraços não gozados...
Que a cada amargurante centelha da memória
Correspondesse a luz de uma visão sutil,
Que amenizasse, enfim, do modo mais gentil,
A quimera fugaz, em vastidão de glória;
Tarjando de emoção o tédio que sentia
E enchendo a vida assim no arpejo da Magia.