Amanhã
Talvez o amanhã não chegue…
Ou chegue devagarinho
Chegue com a mordaça na boca ou com uma venda no olhar.
Chegue como uma voz que nos segrede algo ao ouvido …
Nos alcance tão lentamente quanto esta noite que insiste em não passar, em que o sono teima em não chegar.
Os meus dedos não param, e os meus olhos estão hoje anestesiados, cansados, distantes, mas não adormecem.
Deixam-me aqui, abandonada aos lençóis trépidos da madrugada
inerte, pálida, desencorajada do amanhã, confusa…Tão confusa, entre a revelação do desespero e o medo de crescer.
Não estou tão triste quanto ontem, somente entre vagões de apatia e melancolia, entre a recolha dos meus erros ortográficos e nuvens incolores que me povoam a saudade.
E tu sabes como a saudade é uma necessidade aos meus passos, não me desgasta, revigora-me!
Estou agora simplesmente enraizada nas palavras que me colmatam a alma, me cicatrizam as feridas que teimam em não sarar, me limpam as lágrimas e ainda me fazem sorrir, mesmo que o meu mundo desabe amanhã.
Sei que as minhas palavras são um pouco desconexas, tão tristes tantas vezes, um pouco duras e desenfreadas por outras, mas a vida transforma e sacrifica por segundos para que compreendamos as horas infinitas como estas que não passam, em que os relógios param.
Mas as minhas palavras são minhas, são mais do que alfabeto, são alma, cânticos, são gritos e sinestesias, vício, o meu maior vicio, um amor incondicional, e tu sabes que não vivo sem isso.
E se o mundo terminar
Se o relógio parar definitivamente durante a minha madrugada sem cor,
Se a terra voltar a tremer, o mar me corroer o corpo
e as minhas mãos se largarem das tuas, faremos parte do infinito
Viverá a voz que desperta o silêncio
Que interrompe a solidão
Rasgos de memória estampados em cada estrela que brilha e cai do céu.
E se hoje olhar o céu
Vou recordar cada retalho da minha vida, cada pedaço de mim que me arrancaram…
Vou escrever a via inteira, adormecer a contar cada dedo, cada estrela que brilha
Cada morte vencida
Cada saudade maior que me fica
Na esperança do coração palpitar, o relógio reiniciar,e eu voltar a escrever.
Acordar do teu lado...
Lisboa, 19 Abril 2006 00:42