CACTOS E AGRURAS

sempre soube - ninguém me disse -

que as agruras

andaram dentro de mim como

num circo

de trapézio para roldanas e

arcos

atravessando os fogos vivos e

sobrevivendo aos fátuos

como se fugisse prisioneiro

das rotas dos

barcos

e me deixasse ir nas asas de

falcões

a caminho dos céus

redentores.

ninguém me disse. repito-o.

porém, nesses dias acordava

em jardins estranhos

abraçado aos cactos expostos

ao sol

erguidos como toténs sem base

encostados a uma parede

e convencidos da sua

condição

de flores.

ninguém me disse. lembro-me

contudo

- disso só eu sabia -

de aí ficar com a aflição de morrer

de sede.

e de que assim na manhã seguinte

nem valia

a pena um homem se levantar:

pois tudo

se repetia,

com as mesmas agruras, os barcos,

os fogos fátuos,

uma enorme vontade de partir

e outra de ficar.

JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES

(inédito.10.08.04)

JAG
Enviado por JAG em 20/04/2006
Código do texto: T141989