O cravo, a rosa e a violeta

A rosa morena tão bela

Que se mirava pela janela

De início era só um botão

Tímido, concha fechada

Dócil, no jardim pousada

Cercada de outras flores

A rosa, vivia só

Até encontrar o cravo

Que de tanta ternura teve dó

Dela se enamorou

E a seu lado ficou

A rosa, conforme o tempo

Abriu-se como leque vermelho

E num frenesi quase sem tento

Sem pedidos ou conselhos

Tomou corpo de rainha

E, iludida, perdeu a candura

Que era sua maior doçura

E vista assim, tão viçosa

Tornou-se do jardim a mais prosa

Esqueceu-se de outras tão belas

Que cresceram junto dela

Desvencilhou-se do cravo

Seu amante devotado

E voltou-se para si mesma

Contentando-se com a certeza

De que bastava a beleza

Veio então a maldade

A vilania, a falsidade

Querendo mostrar à pobre rosa

Que mesmo sendo viçosa

Pode-se ter humildade...

O triste cravo apaixonado

Sentindo-se desonrado

Partiu para longe da amada

Murchando, calando a raiz

E aquietou-se, infeliz

Um dia, a frágil violeta

A mais humilde das flores

Tomou-se de mil amores

Pelo cravo, enternecida...

Sem prenúncio ou aviso

Nada foi tão certo ou preciso

Como o encontro dos dois

A violeta e o cravo

Com o passar do tempo, a rosa

Soube da aliança prosa

Quis dar cabo do belo momento:

De vermelha, vinho ficou

O ódio se alavancou

Nunca se viu no jardim

Uma flor tão bela assim

Querendo a destruição

Do sentimento surgido

Entre dois seres queridos

Por todos que os cercavam

Mas vejam só a ironia

Do velho e manhoso destino:

De tanto veneno instilado

De tanto rancor celebrado

Suas pétalas caíram ao chão

Ela que era botão

Hoje é caule desfolhado

Apenas um galho seco esquecido

Num jardim todo florido.