AMORES DE ARRAIAL

O louro ilustrava os mastros

das bandeiras nos arraiais - dizia

o vulto caminhando por sobre

as ruínas da igreja.

Ali prendia-se uma ponta

com gravetos e dava-se-lhe a volta

onde os namorados mordiscavam

as orelhas - aduzia a sombra

deixada para trás pelo vulto

exposta na cinza ainda quente.

Com o louro dava-se sabor

à carne e juntava-se-lhe o sal

e uns bocados de alho fresco

para a espetada sangrada -

murmurava outro combatente

ainda com um Cristo fumegante

nas mãos feridas pelo lume.

A culpa é do louro e da fome,

sem o louro não haveria espetada

a juntar os antigos amores

- sentenciava a volátil figura

entre luzes de adro

e de céu aberto ao desflorar

da geada invernosa

- e para quê? Só por ciúme?

Toda a gente sabe que paixões

de arraial são como as chuvadas

no meio do deserto do Sara:

dão sempre em nada.

- Olhem bem para o carvão

em que a igreja se tornou

desde o tecto ao chão,

do sacrário aos santos, à sacristia:

é como qualquer casa ardida.

- Ainda há vinho? Já é madrugada.

Se nada se pode fazer pela igreja

cada um que vá à sua vida.

Credo em cruz

louvado seja.

José António Gonçalves

JAG
Enviado por JAG em 10/05/2006
Código do texto: T153767