MAL-AFAMADO

e, entre o Istmo de Pélops e a Ática,
percorro esse caminho mal-afamado;
guio eu minha biga, mas falta prática,
para cá enfrentar qualquer desalmado;

nasci, e, cresci em Trezena, Argólida,
gerado por Posseidon, minha mãe diz;
lá, adquiri uma educação muito sólida,
e, até à maioridade, vivia alegre e feliz!

mas, agora, estou à procura doutro pai,
esse terreno, Rei de Atenas, Rei Egeu;
diz-me o Fado 'todo alçado sempre cai,
pois azíago é o futuro prá todo erecteu!';

não me impressiona nada esse tal destino,
à minha frente promissor futuro descortino!

Moacir et Selena 2006
brilhe a vossa LUZ!

11 Mas a vós, os que vos apartais do Senhor, os que vos esqueceis do meu santo monte, os que preparais uma mesa para a fortuna, e que misturais vinho para o Destino
12 também vos destinarei à espada, e todos vos encurvareis à matança; porque quando chamei, não respondestes; quando falei, não ouvistes, mas fizestes o que era mau aos meus olhos, e escolhestes aquilo em que eu não tinha prazer.

(Isaías 65)

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A LENDA DE TESEU (*)

O rei Egeu de Atenas, perseguido pelo infortúnio e sem filhos, devido à inimizade de Afrodite, estabeleceu a adoração da deusa em Atenas e foi consultar o Oráculo de Delfos. Este exortou-o a não abrir o seu odre de vinho até voltar de novo para casa, ou viria a morrer de tristeza e dor. Na viagem de volta, ao passar por Trezena, contou essa história ao rei Piteu, o qual adivinhando que fora previsto um nascimento nobre, levou Egeu bêbado ao leito de sua filha Etra. Na mesma noite, a moça recebeu ordens, em sonhos, de ir até à ilha santuário de Atena, onde Poseidon também deitou-se com ela. Quando Egeu acordou, deixou a espada e as sandálias sob um altar de Zeus, dizendo a Etra que, caso nascesse dessa união um filho, deveria mandá-lo para Atenas tão logo pudesse ele levantar a pedra. Teseu realizou este feito quando tinha apenas 16 anos; já então era um jovem de proporções e força heróicas, hábil com a lira, e inventor da luta corporal científica.

Resolvendo seguir para Atenas pela estrada do Istmo, a fim de  poder provar o seu valor, lutando contra os perigos dali derrubou em combate todos os monstros e tiranos que atacavam os viajantes. Em Mégara, matou a porca gigante Féa, e em Elêusis liquidou o rei Cércion, que massacrava os viajantes, forçando-os a lutar, corpo- a-corpo até à morte.

Quando chegou a Atenas, a feiticeira Medéia, amante do pai dele, adivinhou a sua paternidade e, para assegurar o direito de sucessão do próprio filho, persuadiu Egeu de que aquele formidável rapaz era uma ameaça ao seu trono. Egeu preparou uma taça envenenada para dar-lhe num banquete público, mas Teseu exibiu a espada na hora H. Egeu arrancou a taça dos seus lábios e abraçou alegremente. A feiticeira escapou no seu coche puxado por dragões alados.

Egeu proclamou Teseu seu herdeiro, em meio ao regozijo do povo. Palas, o antigo herdeiro, e seus 50 filhos, ou foram mortos pelo jovem príncipe, ou exilados. Teseu foi ainda mais aclamado após matar um touro selvagem que estava atacando a planície de Maratona.

Logo a seguir, contudo, a cidade vestiu-se de luto com a chegada do navio de tributos cretense, que vinha buscar as moças e os rapazes, enviados com regularidade para serem devorados pelo Minotauro.

O rei Minos de Creta recebera de Poseidon, em resposta a uma promessa, um magnífico touro sacrificial, mas guardara-o para si. Como castigo, Afrodite fez com que sua rainha, Pasífae, sentisse pelo touro uma paixão monstruosa, que ela consumou dentro de uma vaca oca construída para ela por Dédalo, o artesão-chefe. O fruto da união deles foi o Minotauro, um ser de corpo de homem e cabeça de touro, que se alimentava de carne humana. Para ocultar a sua vergonha, Minos fez com que Dédalo construísse um Labirinto impenetrável, para onde ele se retirou do mundo. No centro do Labirinto ele escondeu o Minotauro, fornecendo-lhe regularmente um suprimento de carne humana.

A cota de Atenas era de sete rapazes e sete moças. Entre esses jovens incluía-se Teseu; segundo a maioria das versões, por livre escolha, embora haja quem diga que foi sorteado. Na hora de sua partida, o pai ordenou que mudasse a vela negra do navio para uma vela branca, caso voltasse com vida.

Quando chegou à Creta, Minos ridicularizou a sua afirmação de ser filho de Poseidon, e desafiou-o a recobrar um anel atirado ao mar. Teseu recebeu das ninfas do mar não apenas o anel, mas também a coroa dourada de Tétis. A sua façanha fez com que a filha de Minos, Ariadne, se apaixonasse por ele; ela lhe entregou em segredo um novelo de linha para poder voltar sobre os seus passos e sair do Labirinto, e uma espada para matar o Minotauro.

Tendo realizado essa proeza, Teseu foi reunir os jovens atenienses; mas as moças estavam aprisionadas em separado. Teseu preparara-se para essa eventualidade em Atenas, treinando dois bravos rapazes, mas de aparência efemnada, para ocupar o lugar de duas das vítimas femininas. Eles abriram as portas dos alojamentos das mulheres e todas as vítimas fugiram para Atenas, levando Ariadne com elas. Teseu, contudo, abandonou-a na ilha de Naxos. Dionísio (Baco) encontrou-a ali, e dela se enamorou, fazendo-a chefe das suas seguidoras. Ao se aproximar de Atenas, Teseu esqueceu-se de trocar a vela negra pela branca, e o  resultado foi que Egeu, louco de tristeza e dor, pulou do alto da Acrópole, ou do alto de um rochedo, caindo ao mar. Teseu sucedeu-o
no trono.

Dizem que durante o seu reinado ele unificou a Ática, e criou leis para as três classes de proprietários de terras, agricultores e artesãos. Ficou famoso pela sua proteção aos servos e escravos espezinhados, para quem o seu túmulo continuou sendo um santuário ao longo da História. Pirítoo, rei dos Lápitas, pilhou o seu gado, como um desafio, mas os jovens guerreiros simpatizaram um com o outro, no campo de batalha, e juraram amizade eterna. Teseu tomou parte na Caçada ao Javalí da Caledônia, e na batalha dos Pápitas e dos centauros, e dizem que emulou os feitos de Héracles (Hércules). Numa incursão contra as amazonas, raptou Hipólita, a rainha. Mais tarde, como vingança, o povo dela invadiu a Ática; mas Hipólita foi para o campo de batalha ao lado de Teseu e morreu com uma flechada. Antes disso, contudo, tivera dele um filho, Hipólito.

Após a morte dela, Teseu mandou buscar a filha mais moça do rei Minos, Fedra, e casou se com ela. A esta altura Hipólito já era um jovem belo e forte, dedicado à equitação e ao casto culto de Ártemis, a divindade tutelar de sua mãe. Não demorou para que Fedra se apaixonasse desesperadamente por ele, e enviasse a sua velha ama para relatar ao jovem a sua paixão. Após a recusa chocada de Hipólito, ela se enforcou, deixando uma carta em que o acusava de estuprá-la. Teseu, convencido da versão da mulher pela sua morte, expulsou o filho de casa e invocou a maldição mortal confiada a ele por seu pai, Poseidon. Enquanto Hipólito guiava o seu coche pela estrada rochosa do litoral, o deus enviou uma onda gigantesca, carregando na crista um touro-marinho, que fez estourar os cavalos. O corpo esmagado de Hipólito foi devolvido a Teseu, que só viera a saber da verdade tarde demais.

Daí por diante, a sorte de Teseu o abandonou. Enquanto ajudava Pirítoo na tentativa de rapto de Perséfone, ficou confinado no submundo, em sofrimento, durante quatro anos, ao fim dos quais Héracles o libertou. Ao voltar para Atenas, encontrou-a mergulhada na desordem e na sedição. Não conseguindo restabelecer a lei na cidade, amaldiçoou-a e partiu para Creta. No caminho, parou em Ciros, onde, atraiçoado por seu anfitrião, caiu ao mar do alto de um penhasco.

(*)extraído do livro de Mary Renault "O rei deve morrer" (The king must die)