SONHOS INCONFESSÁVEIS
Desperto atônita, e me ponho a perguntar,
Onde vi os mares e rios
Por onde navego em sonhos,
E as cidades que visito,
Com sua gente e seus cheiros,
Onde vago em meus passeios,
Perdida em devaneios?
Em que tempo estão as montanhas,
Onde subo arquejante
Com teimosia caminhante
Querendo atingir o céu?
Como canto mil canções
Com uma voz cristalina
A ecoar pelos ares?
E as estradas sem fim,
Como alamedas floridas
De horizonte infinito,
Onde estão? Em que lugar?
E os jardins ensolarados
Com as margaridas silvestres
E as danças multicores
Do revoar de mil aves.
Em que terra ficam os templos,
Com suas torres imponentes,
Com seus deuses onipresentes,
Cobrando as minhas preces,
E os dízimos da minha fé
Para um Deus onipotente?
Onde os vales e planícies,
Quando alço o vôo da águia,
Nas asas da liberdade,
E contemplo lá do alto,
A natureza sem fim.
E as trilhas que abri,
Por entre a floresta espessas,
Buscando outros caminhos,
Nessa andança de incertezas?
Quem são essas crianças,
Que embalo no meu colo,
E as pessoas com quem falo,
Onde posso encontrá-las?
Onde então as tantas casas,
Com seus quartos de segredo,
Onde eu queria morar,
Abrindo janelas e portas,
Para a liberdade entrar?
Onde estão?
E o homem que me abraça,
Entre as flores de uma praça,
Com seu sorriso mágico,
Que me transborda de amor,
Que me remoça no tempo,
E me diz que amar é bom,
Que me pega pela mão,
E me leva até os prados,
Onde a lua resplandece,
É um rosto que nunca vi.
Quem é ele? Não sei!
E aqueles a quem me entrego
Na sofreguidão dos desejos,
Sem pudor e sem censura,
Acreditando ser bela,
E eterna na juventude?
E os desafios que me impelem,
As transpor precipícios,
A duelar com mil monstros,
Nas batalhas inclementes?
E as ruas de escuridão,
Onde busco amedrontada
Sem saber onde encontrar
As portas da salvação?
Onde são essas ruas?
Ah! Esses sonhos.
Que invadem as minhas noites,
Que me entontecem o juízo,
Por não saber decifrá-los,
Nem poder impedi-los,
De vasculhar minha alma.
Eles não pedem licença,
Se apossam de meu sono,
E me tornam a tal mulher,
Cantante, viajante , amante,
Pecadora , tentadora, caçadora,
Aventureira, guerreira, verdadeira.
Ah ! Esses sonhos,
Quando vivo muitas vidas
Em mil e uma paragens,
Com outras tantas roupagens,
Tornando a realidades,
Um canteiro à espera
Da novidade, da felicidades,
Do inexplicável, do imponderável!
Esse sonhos, no entanto,
São frêmitos pulsantes
Que trazem a vã esperança,
De se tornarem verdade,
E são sempre esperados
Como bálsamo calmante,
Noite após noite,
Dia após dia
Fazendo-me companhia,
No cotidiano finito
Do outono da minha vida.
Conceição Gomes