Coração de Papel

Coração de papel exposto ao vento,

voando livre como uma pipa sem destino,

perdendo-se no ar como confete de carnaval,

sofrendo as marcas na escrita de cada poema,

cicatrizes mal curadas de um passado-presente,

diário de tempos não retornados e rememorados,

dissolvendo-se nas gotas de chuva de uma tempestade,

esvaindo-se na sargeta de uma rua solitária,

num dia sem movimento de transeuntes,

no silêncio da solidão cotidiana de uma multidão barulhenta...

Coração de papel picado em mil pedaços no triturador,

reunido com goma em papel marchet para moldar um fantoche,

triste Pierrot com lágrima pintada com guacehe preto,

encenando a tristeza de um sentimento esfacelado,

numa festa pagã de encontros e desencontros,

onde vida e labirinto se dimensionam sem mapas,

findando com o cerrar de cortinas empoeiradas,

enclausurando o boneco em seu baú de bugigangas,

na escuridão sem alma de um cemitério de idéias mortas,

esperando a ressurreição de torpes desencantos luminosos...

Coração de papel flambado no vinho e fogo do sangue febril,

embriagado pela condescendência de uma existência vã,

na busca de um pálido sorriso sem dentes no espelho sem reflexo,

entre tormentas de alucinações e ritualizações inexplicáveis,

dilacerando o conteúdo em reciclagens sem propósito,

diligente na condução de um veículo desgovernado,

afastando a proximidade da intimidade inoportuna,

protegendo-se de rasgos inevitáveis ao fio do estilete,

tornando-se tiras de um HQ não desenhado,

lançado na lata de lixo de um beco qualquer,

soterrado nas discrepâncias de uma lanterna apagada...