O hóspede antropofágico

Ontem, ao cair da noite,

Já quase findo o verão, pois que ainda morna,

Subitamente eis que bate à porta

Um hóspede, feito vendaval, tamanho açoite.

E sem que palavras dissesse,

À casa branca do homem adentrara;

O que era passageiro se estabelece,

Tornando a escura varanda do ser, clara.

Alonga-se o diálogo notívago

Entre o homem e o hóspede inoportuno.

Nos despropósitos das palras incipiam-se os motivos

Que nutrem os anseios do lépido gatuno.

Em incontáveis personagens transfigura-se:

À claridade dos dias, apresenta-se poeta.

Todavia, seus sermões noturnos tal profeta

Atordoam o homem de mente e alma já confusas.

Engole as horas matutinas feito mágico

A alimentar-se das labaredas de fogo.

Bole, no homem, c’o espírito e c’a razão e c’o corpo

E o consome a língua longa do hóspede antropofágico.

O que, por caridade, era visita inesperada

De uma noite tão somente,

Fez-se da vida do homem definitiva morada.

E toma partido de tudo que ele sente.

Até come no mesmo prato.

Feito parasita, suga sua seiva.

O homem agora nota a peleja

Que seria viver sem tê-lo hospedado.

Pura simbiose c’este hóspede invisível,

Que, embora, contrário à sua vontade,

Alimenta-lhe de paz e de felicidade,

Pois que torna seu mundo risível.

Agora são um só ser:

O hóspede antropofágico e o anfitrião.

Trouxe-lhe tantas bênçãos e graças de viver,

O amor, este cara, quase sempre sem educação!

Cid Rodrigues Rubelita
Enviado por Cid Rodrigues Rubelita em 21/06/2006
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