POESIA ENCONTRADA MORTA EM CASA

Ela era esperada para aquela noite

Sonhou acordado durante todo o dia

Imaginando-a de todos os modos

Pensando-a de todos os jeitos

Criou fantasias extremamente fálicas

Exercitou toda sua sexualidade

Excitou-se ao extremo

Preparou todo o cenário

Rico em cada detalhe

O fino linho da toalha de mesa

O castiçal de pura prata

e as velas vermelhas sangue da paixão

O esmero do vinho encorpado e seco

O requinte e a delicadeza do jantar

As luzes exaustivamente estudadas

para criar aquele clima

Ela era esperada para aquela noite

No auge da expectativa

Cometeu versos que seriam lidos

Num sussurro tendo como trilha

o alento de uma valsa de Chopin

Acendeu um incenso de odor doce na sala

Borrifou um suave perfume no quarto

O clima estava criado

Só faltava... ela

Ele a esperava naquela noite

...

As horas saltavam do relógio da parede

Começou a ter pesadelos insistentes

Imaginou as mais terríveis tragédias

Pensou-a assaltada, estuprada e morta

A mente atormentou-se por inteiro

Exercitou sua sandice

Hesitou por efêmero instante

O cenário começou a se esvair

Pobre palco de teatro mambembe

O vinho transmutou-se em vinagre

O jantar esfriou que nem seu coração

E ela não vinha ... não vinha...

O perfume evaporou deixando um cheiro acre

O incenso, apenas cinzas que, sopradas pelo vento

Sujaram e mancharam a toalha de linho

As velas encarnavam um triste velório

E ela não veio... não veio...

A valsa transmutou-se numa marcha fúnebre

A poesia foi definhando, agonizando...

Os vizinhos encontraram-na morta em casa.

Roberto Bordin
Enviado por Roberto Bordin em 08/12/2009
Reeditado em 08/12/2009
Código do texto: T1967488
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