AMADO AMANTE

AMADO AMANTE

Nunca me senti tão insegura,

Preciso de tuas mãos

A abraçar-me a cintura

E de ti dando-me cobertura

À mesa já não tenho tanta fartura

Na cama noites de amargura

Lágrimas de dissabor e temor

Sou controlada, vivo sob censura.

Amado amante, não posso falar

Fui forçada a me calar

Mesmo não tenso sido amordaçada

Vivo tosada, calada, vigiada

Ando pelos becos da comunidade

E nas sombras vejo as marcas

Da maldade cheia de impunidade

Estampada cruelmente nas caras

Destes juízes togados sem concurso

Que adentram nossas vidas

E ceifam os sonhos mais lindos

Transformando-os em grandes feridas

Ao apertar o cano as balas

Saltam esvoaçantes dos cilindros

E perfuram tua frágil armadura

De carne e ossos que tinhas criatura

Difícil ouvir a palavra JUSTIÇA

A verdade nua é que ela distorcida

E praticada por mãos homicidas

Enquanto na teoria vive esquecida

Então AMADO AMANTE

Se soubesse onde é tua sepultura

Cavaria com as próprias mãos

Buscando teu corpo, morta escultura

Destino cruel amar traficante

Mas meu peito não pode ser diferente

Tem os mesmos sentimentos

De todas outras adolescentes

Encontro-te na outra esquina

Pois já sei qual é a minha sina

Os homens vieram avisar

Eu não posso nada falar

Não quero ser morta numa chacina.

(PS: Ao ouvir o depoimento de uma testemunha num processo me solidarizei com sua dor e escrevi esta poesia. A função do poeta muitas vezes é revelar o sentimento social, das pessoas simples que têm uma vida banal, mas seus sentimentos não podem deixar de ser lembrados, pois quem os sente, os sente de forma profunda e humana.)

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 05/01/2010
Código do texto: T2012329
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.