Saga de um desafortunado
Certa vez havia uma criança frágil
Acostumada com a ausência de dor,
Sentiu no peito um estranho ardor
Repentino, um deslumbramento ágil.
Desconhecia aquilo que sentia
E de início até teve medo
Achando ainda ser cedo,
Que sua imaginação mentia.
Pediu conselhos ao silêncio...
Mas só ouvia sua pergunta ecoar,
E quanto mais tentava se desatar,
Mais se sentia num hospício.
Habituado a viver sem surpresas,
Tratava tudo com objetividade,
E da implacável subjetividade
Era sempre uma fácil presa.
Percebeu que era impossível
Converte-la numa linguagem lógica,
E que para nenhuma matemática
Seria esse ardor inteligível...
Recusou de si tal sentimento,
Pois tinha medo de decepções,
Detestava quando as emoções
O levavam a algum sofrimento.
Na primeira vez que sentiu
O gosto acerbo de uma rejeição,
Seu incauto e frágil coração,
Finalmente com a dor feriu.
Seu olhar perdeu o reflexo,
Em momento algum chorou,
Sua boca apenas murmurou
Pelo que lhe deixou perplexo.
Não enxergavam que na verdade
Ele havia sido muito precipitado,
E se pela sua pessoa tivesse zelado,
Não se machucaria com gravidade.
Como um mártir orgulhoso,
Em silêncio mudo sofreu...
Para si mesmo prometeu,
Ser consigo mais cuidadoso.
Mais uma vez o peito ardia,
E ele se manteve vigilante,
Tornou-se um acovardado hesitante,
Com a desculpa de que se defendia.
Mas essa garota por ele suspirava,
E dele esperava um afago,
Agora receoso pelo estrago,
Por uma atitude dela aguardava.
Talvez ela tivesse o mesmo receio
E por isso não se aproximava,
Distante do resto o observava
Estagnada num doce enleio.
Tornaram-se amigos um dia,
E fingiram seus profundos sentimentos,
Conversaram sobre os arrependimentos,
Ambos temendo mais uma tragédia.
O tempo foi levando muitas oportunidades,
E acabou levando seu coração também,
Ela se envolvera com outro alguém,
Que não evitava ante a ela proximidades.
Um dia estava feliz, até ver os lábios dela
Encostados em noutros que não era seus,
Seus olhos queriam por tudo estar ateus,
Mas não era a sua imaginação, era ela!
Ela o viu embebido em desalento,
E por ele se sentiu culpada...
Ficou muda, estabanada,
E ele se atirou logo ao lamento,
Nunca havia dito uma palavra
Sobre o que no peito sentiam
Um pelo outro, mas percebiam
No momento que o choro lavra.
Ele então tomou coragem
E expôs seus desejos profundos,
Os olhos dela ficaram tão fundos,
Que lhe borrou a maquiagem.
Disse amá-lo veridicamente...
Mas queria alguém mais ousado,
E já que ele não era arrojado,
Devia deixá-lo e seguir em frente.
O garoto baixou seu olhar,
E se flagelou por toda noite,
Jurando entre os açoites
Que na chuva iria se molhar.
Então outra garota apareceu
Quase o puxando pelo braço,
Ele ainda estava um bagaço,
Mas ela com tudo se comoveu.
Ela o abraçava a todo instante,
E ele estranhava tanto afeto,
Decidiu não continuar quieto,
Abandonou a postura hesitante.
Entre carinhos se envolveram rápido,
E ela dava todos aqueles sinais
De quem se apaixonou demais,
Deixando o garoto convencido.
Num parque marcaram de se ver,
Tomou fôlego para se expressar,
Sua língua precisava amansar
Para calcular o que devia dizer.
Confiante, abraçou-a caloroso,
E beijou lhe o rosto pela direita,
Estavam numa distância estreita
E não se mostrava mais temeroso.
Ela riu e o afastou de leve,
Disse que era apenas um abraço,
E que entre eles o único laço
É o que como amizade se descreve.