O Inexorável

Querida, o tempo é cruel,

Veja só nossas últimas palavras

Ficaram lá atrás

E não podemos voltar para buscá-las,

Não podemos alcançá-las

Nem mesmo por um momento!

Não sentes querida certa agonia?

Venho aqui e te trago

Letras doloridas,

Palavras guardáveis,

Escritas para serem lidas,

E relidas em perplexo silêncio,

Palavras indubitáveis...

Porém, minha querida,

O tempo,

Esse algoz da face humana,

Mostrar-se-á soberano,

Não chegará reler qualquer palavra,

Tuas mãos mais enrugadas

Mostrará que já não és a mesma,

Já as palavras noutro sentido se mudaram...

Tudo muda,

Corra ao espelho,

Veja em que te transformaste!

O tempo, essa dúvida,

O tempo passa,

Mas é como se não existisse

E de fato não existe querida...

Como somos frágeis!

Isso a que chamamos tempo,

Isso insubstancial,

Isso tão invisível quanto

A mais invisível das coisas,

Isso nos muda!

Está sempre nos mudando,

Muda as pedras

Muda teu sonho,

Muda teus medos...

Muda a idéia que um dia foste!

O que permanece então?

Somente o que te deram quando nasceste

E quando morrer talvez te tomarão...

A isso que chamamos essência,

A isso não mudarão, nosso núcleo.

Sem ela, o que seríamos?

Loucos estéreis quem sabe...

Por causa dela não perdemos a identidade,

Evitamos a confusão...

Passe-se um ano, dois, dez,

E eu a reconhecerei,

Através dos olhos, dos gestos,

De tudo que me negaste,

Pelo que significou um dia diante de mim,

Eu a reconhecerei...

Comigo não seria diferente,

O tempo me destrói paulatinamente,

Percebo e sinto-me triste,

Impotente diante desse fato consumando,

Ah, o silêncio não passa de sofrimento...

Talvez não me reconheça quando me vir,

Se me vir de novo,

Porque mudo muito rápido.

Ultimamente, essa me é uma

Preocupação cada vez mais angustiante...

Veja querida

Nossas últimas palavras!

Olho e as vejo lá atrás...

Mas vejo não só palavras,

Minha vista alcança muito dos nossos sonhos,

Das nossas alegrias,

Nossa ingenuidade esquartejada...

O brilho dos nossos olhos

Ficou por ali esquecido,

Eternizado em algum momento.

Não é de se espantar?!

Sempre me senti

Como um homem dos séculos passados...

Gostaria de ter sofrido ali

A violência fatal do tempo,

E carregado alguém na minha última visão...

Morrer de velhice

Sabe-se lá o que seja isso?

O tempo se acumula ao redor dos olhos,

Cria peso e desidrata,

Cria vincos, suga-nos as forças,

O organismo não suporta e...

Isso não é um assassinato?

Devia-se criar uma forma de

Punir o tempo

Depois do julgamento, a condenação

Poderia ser afiançável,

Eis a possível pronúncia do juiz,

O réu foi condenado à morte,

Mas pode pagar fiança de

Vinte anos mais saúde,

Sonhos e pureza à vítima!

No entanto, querida, isso é utopia,

Veja só no que nos transformamos!

Lembra que foi criança?

Volta, olha lá atrás!

Não deixaste nada na estrada da vida?

Às vezes me pego pensando

No que já passou e lembro que dizem,

“Importante é o presente

Pra que lembrar o passado?”

Mas não sei o que é importante,

Não sei o que é o passado,

Seja isso ou aquilo,

A nostalgia está em tudo.

E passado, presente e futuro

Ninguém sabe o que é, não existem...

A vida às vezes se mostra tão estéril

Que aparece em nós a necessidade

De relembrar que ela também

Pode ser saborosa...

Ultimamente penso tanto em ti,

Querida, nem podes imaginar...

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 25/08/2006
Código do texto: T224646
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