Oração de Orfeu

Senhor dos mortos, ouve minha prece!

Venho pois em tua presença,

Perdido e sem esperança.

Ouve então, vos peço em agonia, minha prece.

Não estou a desafiar vossa autoridade,

Apesar de ainda vivo cá estar.

Pois, ludibriei Caronte por amar em verdade,

Não me cabe mais tempo e hora a aguardar.

Se meu pleito é vão, Ó Senhor, que aqui fique

Junto de minha agonia e pesar.

Assim estarei livre e perto da minha Eurídice,

A única, em vida e na morte, que eu sei amar.

Por ela noite e dia minha lira soava,

Na imensidão do nosso amor.

Porém funesto era o augúrio que nos aguardava,

Vertendo o gozo em imensa dor.

Himeneu já havia dito, que Aristeu

Maldito meio-irmão meu,

Haveria de separar da alma gêmea

O mortal que aqui implora tua clemência.

De suas investidas galantes fugia

A minha amante, mulher e menina,

Até que seu passo em falso dizia

Que a dor de Orfeu se inicia.

Caida na grama jazia inerte

Pois o vil veneno corria na veia.

A serpente insensata que a tudo perverte

Deu laço mortal na vida alheia.

Senhor me entenda, no alto da minha dor

Desci as escarpas de Tenaros;

Se ouso estar aqui, apenas por amor,

É por querer ouvir com Eurídice o alvoroço dos pássaros.

Permita, Ó Plutão, abrandar meu sofrer!

Desejo mais uma vez poder ver

A causa da minha aventura, e com ela

Sair desta terra escura, para onde a luz é bela.

Todos nós um dia, Senhor, a ti retornaremos;

Pois a tesoura das Parcas é iminente.

Deixe-nos completar os dias terrenos

Para sem mágoas voltar cá, serenamente.

Assim sendo, Ó Plutão, estará minha lira

Em eterna gratidão por ti.

Que caia sobre mim tua ira, se digo mentira,

Eternamente feliz tocarei aqui.

MMFelix
Enviado por MMFelix em 04/06/2010
Código do texto: T2299111
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.