À ESPERA

Havia um piano e a música

sozinha e vertical escorria

em fragmentos fugindo do

barulho da rua.

Havia um brevíssimo espanto

na noite. A espera, a urgência

de amante e a surpresa da

chegada, há tanto, ânsia.

Havia o vinho em belo talhe

de cristal e os pêssegos

de doçura proposital

para aquele que, faminto, viria.

Viajante a sorver esses cuidados

com lábios e bocas e braços,

quase animal, de suspiros,

de precisos olhos de animal.

Havia a mesa posta onde

os pratos esperavam o calor

do alimento partilhado entre

beijos e garfos.

Havia o quarto onde o silêncio

aguardava as chamas que viriam

finalmente desfazê-lo em

risos, murmúrios e ais.

Havia um mundo recém-nascido

de ofertas e vontades.

Um mundo sem asperezas,

só segredos, imprudências e

circunstâncias, botões e rosa.

Havia amor, indisfarçável.

Ninguém nunca veio habitá-lo.

Só este silêncio e os desejos

soltos, perdidos neste canto

de solidões.

Saramar
Enviado por Saramar em 05/09/2006
Código do texto: T233025