O dom da felicidade

Houve uma ocasião em que da minha varanda se via

Uma paisagem que parecia ser feita de ilusão.

Próximo à varanda havia uns arbustos.

Era um período de seca, de solo endurecido,

Cujas plantas pareciam quase mortas.

Mas todo dia vinha um garoto com uma cuia, e, calado,

Ia jogando com os dedos água sobre arbustos.

Não se tratava de uma irrigação: era um tipo de borrifado cerimonial,

Para que os arbustos não se extinguissem.

E eu observava os arbustos, as pessoas, o chuviscos

Que caíam dos dedos daquele menino

E eu me sentia repleto de felicidade.

Às vezes chego na varanda e vejo os arbustos

Abrindo-se em flores.

Às vezes vejo nuvens compactas encobrindo o céu

Crianças felizes dirigindo-se à escola.

Pardais, um a um, que pulam de uma árvore para a outra.

Gato que pisca os olhos, imaginando, num só bote,

Surpreender os pardais, raias-manteiga coloridas,

Em pares, assim como cogitadas no espelho da atmosfera.

Ouço, às vezes, um galo que no terreiro canta.

Vejo, às vezes, um avião que nas alturas passa.

A mim, tudo me parece perfeito, no lugar certo,

Cumprindo sua missão. E eu me sinto cheio de felicidade.

Mas, quando digo algo sobre essa tal felicidade,

À frente de cada varanda tem gente que responde

Dizendo que isso não existe, outras dizem que só existe

Olhando de minha varanda, e outras, por fim, dizem que é preciso

Aprender a olhar, para vê-las assim.

R J Cardoso
Enviado por R J Cardoso em 21/10/2006
Reeditado em 22/10/2006
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