CRISTAIS I-XV
CRISTAIS I
Amor nos deixa gosto de esmeralda
a cada vez que se mastiga o vento:
escorre o cheiro pelos dedos, bento
pela certeza que o coração rescalda.
Amor é verde flor, que em cada falda
das colinas se recolhe num momento:
verde essa flor e verde é um tal portento,
que carregamos viçoso a plena espalda.
Não porque digam ser verde a esperança:
a esperança é gris, não leva a nada,
enquanto esse amor verde tem sabor...
Posto na língua, derrete sem tardança:
o amor gozado tem gosto de alvorada,
nessa verde esmeralda que é o amor!...
CRISTAIS II
Amor deixa som de turmalina
ao longo das gengivas, sutilmente,
escorre pelas coanas, indolente,
e nas Trompas de Eustáquio se persigna.
Amor para as papilas se destina,
nas comissuras dos lábios, reverente,
se instala firme, mesmo quando ausente,
caso encontre o alvo doce a que se afina.
Amor verde-azulado do desejo,
engastado em colar luminescente,
mesmo que seja falso e sem valor,
quando apegado somente à cor de um beijo,
se despetala em emoção nascente,
no balbucio de mil vagas de calor.
CRISTAIS III
Amor se manifesta na turquesa,
menos brilhante talvez, em azul-céu,
guardando seu fulgor em puro véu,
sem entregar a qualquer a sua beleza.
Amor tem sempre um laivo de incerteza,
um talho agudo e fino, como arpéu,
depois que fisga, não nos deixa ao léu,
nessa obscura luz de sua aspereza.
Azul a luz que o coração domina,
azul de calma, azul dessa certeza
de que se pode usufruir de um sentimento,
porém sem governar a meiga sina
dessa emoção gentil, em sua altiveza,
mais profunda que o mais claro julgamento.
CRISTAIS IV
Amor também é feito de rubi:
candente amor, toda a razão apaga,
em troca da incerteza que nos traga,
esse amor vivo, que tanto conheci.
Amor de sangue, lágrimas de ti,
amor papoula que a visão alaga,
amor de cravo gentil que nos afaga,
amor, enfim, que nunca concluí.
Nessa egoísta cintilância dessas gemas,
que querem ser amadas, mas não amam,
insistindo somente em seduzir;
nesse fulgor dos mais castiços lemas,
pedras vermelhas, que à cobiça chamam,
no fogo falso e carmesim do reluzir.
CRISTAIS V
Também topázio representa amor,
dourado e cristalino nesse instante:
invejoso esse amor amarelante,
amor receoso e falto de calor...
Porém topázio é belo em seu fulgor,
desejável sua centelha palpitante,
amorável sua faceta cintilante,
após clivagem feita com pudor...
Que esteja amor-topázio em minha janela,
colhido no colar de fios de sol,
mais resistente que contas ambarinas...
Por frígida essa brasa, como é bela
essa visão de luz, duplo farol,
nesses olhos castanhos das meninas...
CRISTAIS VI
Na ágata o amor se fortalece:
pedra de lua, descida em paraquedas,
que mais amor também a mim concedas
do que esse amor furtivo de minha prece.
Qual em tiara traiçoeira a pedra desce:
olho de gato, espero que não cedas
espaço a outrem, ao passo que me vedas
acesso a tal amor que me enlouquece.
Que seja meu esse lugar-comum,
comum a todos, em todos os lugares:
que seja amor um sonho transparente...
Mas que a ágata não traga bem algum
a meus rivais de tantos liminares,
caso essa pedra fulmine o meu presente...
CRISTAIS VII
Que não se afaste o âmbar da memória!
Mesmo cristal não sendo, em calidez
reveste o coração, em som de grês,
a refletir uma luz perfunctória...
Pois tal resina, um dia, foi escória,
gelada pelos ventos e, em insensatez,
foi túmulo de insetos por sua vez,
preservados do passado para a história.
E que essas gotas de âmbar, deslizadas,
meu coração conquistem com ardor
e o transformem em jóia amendoada.
Que fiquem as emoções capturadas
para sempre, como jaula para o amor,
numa conta de âmbar marchetada.
CRISTAIS VIII
Que seja o ônix o motivo de minha prece
ou o negror de cristal da obsidiana,
o ébano precioso que se inflama,
nesse ardor que se quer e não se esquece.
Que seja o inverso do que o diamante tece,
uma teia de preteor que nos irmana,
carbonizados pela mesma chama,
num só corisco que dos céus nos desce.
Nesse pretume do ônix se emprega
a treva inteira do mundo concentrada:
ele não sonha para si nenhuma luz,
mas deixa a cor para quem a ela se entrega,
nessa ternura fosca e amortalhada,
pelo próprio sentimento a que conduz...
CRISTAIS IX
Vejo o brilho da safira brandamente,
rosa em botão, serpente auriculada,
hemácia feita flor acetinada,
na lágrima de sangue mais frequente.
Hematita brilhante, acidulada,
essa pedra sutil, mas imponente,
poema de aurora, som opalescente,
gota de hímen, de beijos intocada,
E amor é a pedra rosa, falecida,
entre os rosários de harmonia pura,
esmaecida e sem fazer mais nada.
Ai, como amor nos leva de vencida!
Por mais que a gente saiba que não dura:
fulgor vermelho num condão de fada!...
CRISTAIS X
Lápis-lazuli no cocar dos faraós,
intercalado com ouro e cornalina,
azul de minha paixão, chama divina
que me consome quando estamos sós!
Lápis-lazuli, brocado feito em nós,
o céu capturado em cada esquina,
o amor do mar pela onda matutina,
nuvem esquiva a nos regar os dós...
Lápis-lazuli dos olhos que não tive,
Lápis-lazuli dos olhos que hoje tenho:
por que não posso colorir minha ilusão?
E nesta pedra macia, sem que me esquive,
eu busco a mágoa do franzido cenho,
como uma drusa encravada ao coração!...
CRISTAIS XI
Eu fiz de quartzo contas de colar,
sanguinolenta a linha que as prendia;
de marcacita o fecho reluzia,
qual baraço de carrasco a sufocar!...
As duras pedras pus-me a dedilhar
por entre as unhas e o ressoar ouvia
desse entrechoque que a palma me feria
e me impedia até de suspirar!...
Porque essas pedras cintilografadas
não extraí da Terra nas entranhas,
nem ambarinas conchas eu furtei,
mas de minhas próprias faces apanhadas
são outras tantas lágrimas estranhas,
vertidas pelos rostos que encontrei.
CRISTAIS XII
Por natureza, estimam o diamante,
mais do que todas as jóias minerais,
mais apreciado do que pérola ou corais,
mais do que a prata e o ouro cintilante.
E como se matou por tal brilhante
ilusão condensada dos mortais!...
Grafite negro, carvões mais naturais:
pela cólera dos deuses fulgurante!...
Muito mais que a blandícia da serpente
tentou o diamante a pobre humanidade...
É fácil de roubar, sem ter volume,
sem proporção o valor desse pingente,
apenas gotas congeladas de vaidade,
aprisionadas no engaste do azedume.
CRISTAIS XIII
Dizem que azar o treze causa, embora
o meu poema necessite de outro engaste
bem mais valioso, que de mim nunca se afaste,
mas permaneça no futuro como agora!...
Já não me serve a prata nesta hora,
tampouco creio que o ouro hoje me baste:
é preciso um metal que não desgaste,
nem entesourado, nem lançado fora.
Somente o oricalco bastaria
esse electro sutil de que falavam,
em seus velhos poemas, os aedos.
Que ninguém sabe de fato o que seria:
talvez platina ou liga em que o forjavam,
ocultando de nós os seus segredos...
CRISTAIS XIV
Também figura a ametista entre os cristais,
como aparecem o jaspe e a calcedônia,
ou iridiados cristais, sárdio e sardônia
e o crisólito de auréolas triunfais...
Há o berilo, furtacor em seus fanais,
ora verde, ora azul, ou mesmo amônia,
enquanto o crisopraso da antimônia
conserva às vezes mensurações formais.
Mas o jacinto espelha, em sua abrangência,
todas as cores do espectro solar
e é conhecido hoje mais como zarcão.
É branco e puro em sua opalescência,
mostra-se azul ou amarelo, ou verde-mar,
da água-marinha a perfeita imitação...
CRISTAIS XV
Mas não será da esmeralda a esperança,
nem tampouco da enganosa turmalina,
nem da turquesa a gentileza fina,
nem do rubi vermelho em sua pujança;
Não será do topázio essa esquivança,
nem da ágata, que à magia se destina
e nem do próprio âmbar a resina,
nem do ônix, em negrume de lembrança;
Não será da safira aveludada,
ou do lápis-lazuli fluorescente,
nem do quartzo em fulgor luminescente,
nem do diamante de clivagem recortada,
que me virão a proteção e a gala
que meu destino transformem numa opala.