o cristo dos meus sonhos

Um dia desses,

Estando eu já cansado

De ver tanta maldade

Entre os filhos de Deus!

Pensei em como seria bom

Se outra vez

Nascesse aqui na terra

O menino Jesus.

Quem sabe assim

O homem aprenderia de fato

O que esses cristos antigos,

Tão velhos e rabugentos

Por estarem tanto tempo

Presos na bíblia!

No passado ensinaram.

Poderia ser que ouvindo

Da boca de outro cristo criança

Os risos inocentes

De uma tenra esperança

Deixaríamos de dar tanta importância

Ao barulho das moedas

A tilintarem nas ofertas

De um luxuoso altar.

Assim pensando adormeci

E sonhei que os portões

Lá do infinito

Mais uma vez se abriram

E novamente aqui na terra

Deus veio nascer menino.

Mas era tão estranho

Esse meu sonhar

Que dessa vez

Não havia anjos

Para anunciarem sua vinda,

Ou reis magos

De uma distante terra.

No maior dos absurdos

Não foi de uma virgem

Que ele nasceu,

Mas das entranhas

De uma prostituta

Que sendo ainda tão jovem

Morreu quase menina

Nos corredores imundos

De um hospital qualquer

E foi enterrada como indigente

Sem nome... Sem família...

Sem amigos e sem fé.

E o sonho

Foi tão assombroso

Que se transformou em pesadelo

Quando vi que o menino,

Por boas vindas

A esse triste mundo!

Teve por mirra

O odor fétido das fezes

A correrem nas valas

De um esgoto a céu aberto

Nas ruas da favela.

Sem o calor

De um peito materno

Foi um assistente social

Quem lhe tomou nos braços

Dando-lhe o primeiro abraço,

Tão frio e sem graça!

De um mundo que não o queria.

E se nas escrituras

Eu li certo dia

Que o menino crescia

Em graça e sabedoria.

No meu sonho

O tempo foi passando

Enquanto o menino emagrecia

Tão mirrado e pestilento

Que até parecia

Que ao invés de crescer

Fosse aos poucos desaparecendo

Como se quisesse fugir

Da morte que o perseguia.

Tão impensáveis foram meus delírios

Que aquele meu cristo

Com o das igrejas não parecia,

Não era como o Jesus

De quem minha mãe falou

Quando lia prá mim

As histórias do novo testamento!

Não curava enfermos

E aos cegos não devolvia

A luz dos olhos,

Tão pouco ressuscitava

Dos túmulos os mortos.

Por milagres tinha apenas

A miserável existência

De quem passa pela vida

Tão só e abandonado

Caminhando em busca da sorte

Que lhe acena da esquina

Com um sorriso de morte

Na minha loucura

O meu cristo nunca foi criança,

Nasceu grande!

Nunca foi a escola,

Mas aprendeu a ler

Na cartilha do mundo!

Não sabia rezar

Mas sabia roubar

E fugir na polícia.

Em apenas uma coisa

Essa criança distorcida

Com a outra se assemelhava,

E agora que já despertei

Desse terrível pesadelo

Ponho-me a pensar

Que o cristo que fica

Dependurado em uma cruz

No altar da igreja

Morreu depois de grande

Sendo por meus pecados crucificado.

E me dói o coração

Pensar que enquanto estou rezando

A espera de um milagre

Que resolva meus problemas,

Aquela criança

Morre todos os dias

Crucificada em sua infância

Pelo meu maior pecado

Quando cruzo os braços

Em um ato de omissão.

Mas o meu maior horror

É perceber

Que nesse sonho terrível

Eu era o Judas

Que o vendia

Abner poeta
Enviado por Abner poeta em 22/03/2011
Código do texto: T2863312