ESTALO & MAIS
ESTALO
Não esperava tentasses me enganar
em uma coisa tão tola e corriqueira:
uma coisinha boba, uma besteira,
por não querer um número entregar...
O problema é que em coisas tão pequenas
observamos às grandes reação;
te achava tão sincera em relação
ao que entre nós surgiu; que apenas
me mentisses ao mentires a ti mesma.
Agora surge a fenda cristalina...
Eu sei te arrependeste e me disseste
que não confiasse em ti naquela mesma
despedida; mas não devias, menina,
pois me mentiste e um beijo nunca deste.
TRELIÇA
Prouvera os deuses que teu rosto vira
Hoje no assomo de imortal quimera:
Que nenhum homem mais assim quisera
Tanger-se em claros dobres nesta lira;
Prouvera os deuses hoje que te amara
Em solidão talar de melopéia:
Que ninguém mais servira de platéia,
Ao perpassar tua sombra a trilha rara;
Mas soubera prestar-te, em melodia,
O preito fino e o galardão sublime
Com que a alma bem no fundo te atingira;
Soubera bem apreçar-te a nostalgia:
Veludo antigo em ânfora de vime,
Que já desfaz ao toque quem suspira!...
MARANHA
A vida é tua -- tens pleno direito
de fazer dela aquilo que te apraz.
Há certas coisas, porém, que não se faz,
só por questão primária de respeito.
Não se maltrata a quem sempre escorreito
agiu contigo, quem sempre foi capaz
de relevar tuas falhas e a veraz
oscilação de um gênio insatisfeito...
Pois jamais te deu qualquer razão de queixa,
Sempre fiel te foi, sempre a teu lado,
Mostrou-se atento, leal e dedicado;
Mas quanta variedade a mente enfeixa!...
Quem se sente insegura e contrariada,
Magoa por prazer, quase por nada...
APENAS
se for por amor, sim... por gratidão?...
não estou te comprando e nem eu quero.
por muito que deseje, eu desespero
de te possuir, num beijo de amplidão.
se amor queres fazer, por seres grata,
nada me deves, exceto o teu carinho,
gratuito e voluntário, em comezinho
fremir de beijo, em beijo que contata.
e nesse beijo enfim, carne se agita
e a carne simples torna-se bonita,
na exaltação total, quando se quer
um corpo de homem, só por deleitoso,
um corpo de homem, feito mais fogoso,
na exultação de um corpo de mulher!...
SOMENTE
Eu não quero fazer nenhum soneto agora,
só depois que eu voltar: aí, então, farei,
dependendo de como o tempo desgastei,
se contigo, se apenas na sombra de um outrora...
Eu não quero fazer nenhum poema antes
de partir para ti, sem saber se terei
os teus olhos de vinho, se beijos ganharei,
se juntos gozaremos de orgasmos fascinantes...
Eu não quero fazer, mas versos assanhados
me sobem dos testículos, assim descompassados,
e se entregam a ti, num beijo de martírio...
Queria então saber se a dúvida conversa
em certeza seria, à luz do meu delírio,
ou em versos apenas seria então dispersa...
ESPASMO
Por ti serei capaz de mil proezas
tentar: por conservar-te do meu lado;
meu coração já foi despedaçado,
mas recompôs depressa suas defesas,
a um ponto que querer ninguém podia,
estava mudo e cego, desconfiado,
ou antes certo que amor atribulado
muito menos que a paga me daria.
É de espantar que eu tente novamente!...
--- depois de tanto esgar, de tanta mágoa,
encher de ti de novo o coração;
depois de ver em ti, indiferente,
a voz e o olhar, uma seca, outro sem água,
nesse estertor sutil de uma ilusão...
ESTOPIM
Atualizei o amor, como um arquivo,
Que se baixa da rede... mais sinais
Do que se pode perceber, fanais
Das possibilidades que revivo
De um começo novo, de um altivo
Mostrar ao mundo tudo, quanto mais
Se está disposto a pagar pelos totais
Prazeres de um querer tão redivivo...
Porque é estranha, afinal, é caprichosa,
Nem sequer a si mesma se compreende,
Dominada, por sinal, pela emoção
Que apela a mim também: é contagiosa
Esta musa fatal, que só se acende
Quando sente o temor no coração...
MANÔMETRO
É lugar
É tempo de contar segredos:
É morte
Se odiei
Se amei, enfim, é tudo irrelevante
Se indiferi
Se vivi
Se esperei no coração os meus degredos
Se acolhi
Não são
Tudo é apenas a sombra de um instante
Talvez
Desejo
Reivindico de ti a névoa de um momento
Suplico
Confiante
Assustado do amor de uma donzela
Indeciso
Somente
Não apenas com suspiro me contento
Infeliz,
Não sou
Eu sou quem mais persegue esta gazela...
Sou eu?
Esquiva
Temerosa de mim, mulher tão bela
Anelante
Quanto jamais
Quanto sempre esperei achar um dia
Quão talvez
Para aquecer-me
Para esfriar-me de novo o coração.
Para amornar-me
Ela chegou,
Não me veio, enfim, a minha estrela...
Só me espera
Ainda aguarda
Se entrega por mais uma salmodia
Se recusa
Para negar
Por revelar quão grande é sua emoção...
Por nem saber
MITOSE
almejei
de há muito pressenti que bem metade
receei
vagueava
de mim faltava, idônea companheira,
sobrava
meiga
que sempre amante fosse e alvissareira
honesta
de nós
se orgulhasse de mim pela cidade...
sem pejo
mostrasse,
que me ostentasse, com felicidade,
escondesse,
enriquecesse
que completasse o quanto me faltava
iluminasse
amparasse
que me ajudasse a achar o que buscava
indicasse
parelha
e que suave fosse, e sem maldade...
segura
só vivo
porque preciso desse apoio, tanto!...
dependo
vender
poder confiar a alguém o coração
iludir
certeza
sem temor de gracejo ou zombaria..
desaponto
rara vez
que tanta vez me fez brotar o pranto
até talvez
presente,
no passado, nas fauces da traição
permanente,
fiel
de quem leal a mim só deveria...
doar-se
LAÇARIA
Não quero mais ser eu, quero ser nós:
Que seja um corpo só, que seja apenas
Uma alma a habitar entre açucenas
De amor compartilhado; e viva empós
A lealdade recíproca a si mesmo:
Uma alma completa, finalmente,
Gêmea com gêmeo, tornada permanente
A partilha do sonho que semeei a esmo...
É isso que desejo, união de corpo e alma,
Que me enfervesça a alma e ao corpo me dê calma,
Ao ver que és tu que exalas o ar que então respiro.
Que seja assim, então: um tal amor egrégio,
Que possa garantir-me sem fim o privilégio
De viver para sempre em teu suspiro.
VERNISSAGE
agora eu sei, à lume de ironia,
o que sem eu saber me ocorreria
e me deixava o coração pesado
pela ansiedade mesma que eu sentia...
não sei o que esperava e, realmente,
enfrentei realidade surpreendente,
sem ter espanto, sempre controlado,
talvez porque meu corpo já pressente,
antes que a mente saiba o que suceda,
quais os eventos que a vida me conceda,
apenas sem saber quando virão.
mas que hão de vir, por certo estou seguro:
teu beijo hei de gozar, perene e puro,
no próprio palpitar do coração...
SOLICITUDE
só espero de ti, donzela Meiga,
que não te afastes de mim em Peregrina,
rubra altivez -- resquício de Menina
engastada em seus sonhos de Manteiga...
que não mais te surpreenda o casto Beijo,
negado em mútua e simples Compreensão;
se afinidade existe na Emoção,
porque do corpo extirparei Desejo?
que alburno puro, terno e limpo Sexo
quase tão só à vida nos traz Nexo
e nos afaga em sentimento Honesto,
pois te desejo na mais nobre Intenção:
por desdenhar tabus, que mais Detesto,
quero tua carne... e nela, o Coração...