AMENTILHOS 1-12
AMENTILHOS I (2007)
(Cachos de flores em forma de cauda como as dos ipês.)
Será que um dia, esse churrio de versos
terá um fim? Que os sonhos desconexos,
que a solidão mais amam que os amplexos,
a válvula hão de girar que os silencia?
Será que um dia, esses lauréis dispersos,
irão secar e neurônios já sem nexos
penarão nos derradeiros véus dos sexos,
desfalecendo em lacunas e afasia...?
Eu sei quando é esse dia... Se aceitares,
finalmente, ser minha sem reservas,
então o corpo vive e a alma remoça...
Mas os versos cessarão os seus cantares,
se abrirão só para ti as minhas cisternas (1)
e dançarei o flamenco em Zaragoza...
(1) Empreguei aqui uma rima toante.
AMENTILHOS II
Mas não te iludas... Te esqueço, diariamente,
várias vezes ao dia. E não consigo
ao total esquecimento dar abrigo,
porque te lembro em ritmo frequente.
Mesmo quando me esforço, diligente,
essa memória surge, desse antigo
pendor por encontrar um peito amigo,
que até hoje se mostrara indiferente.
E permaneço em mim. E permaneço,
querendo o que não sei ser obtenível,
ansiando marchetar-me do impossível.
E não te esqueço. Ou cem vezes eu te esqueço,
porque serias minha coroa de bonança...
(Que a Marselhesa ainda cantam lá na França...)
AMENTILHOS III
Existem coisas ao redor de ti
que nem sequer tu sabes. Desconheces
se algum valor se pode dar às preces
ou se há presságio na voz do bem-te-vi.
Existem coisas que também não vi,
algumas perigosas... Mas se esqueces
de perscrutar em volta, quando desces
para me olhar, meus monstros já venci.
Mas tu que pensas estar em abastança,
que tais feras não há e estás segura,
que a chuva boa reservas no complúvio,
vê que são chuvas de enxofre, sem bonança
e embora caiam dessa imensa altura,
ainda existe quem se lance no Vesúvio.
AMENTILHOS IV
A espuma ferve e o turbilhão cintila,
quando ergo meus olhos para ti.
Até hoje não sei se descrevi
o mar neurônico que por ti se enfila...
Tal como se é minha mente que destila
essa prebenda amarga, em alali,
na caça inútil do clássico alibi,
minha alma inteira nesse amor desfila.
Talvez aches estranha esta maneira
de dispor meu discurso, sem magia,
pois depurei minhas palavras no crisol.
Mas ao cantar a nota derradeira,
por despertar em ti o quanto queira,
eu te trarei mil rosas do Tirol...
AMENTILHOS V
Não sei por quem anseio, sei não tenho
ninguém por quem ansiar. Queria tanto
ter um motivo real para meu canto
ou uma razão para os versos em que venho
falar de amor, com delicado empenho,
mas sem sentir amor em meu espanto,
sem ao menos sofrer de algum quebranto
mais forte que um franzir leve do cenho.
Não quero nada agora, é bem verdade,
o filme se tornou aborrecido,
a vida exige menos que se alega...
Meus desafios vivi em saciedade,
só resta um sonho ainda inatingido,
que é nos fiordes nadar da Noruega...
AMENTILHOS VI
É o que faço, enquanto espero. Escrevo.
Antes eu lia, ao lado está a revista,
mas minhas mãos novo pendor conquista,
não sou eu mesmo que o caminho levo.
Descrevo, escrevo, porém não me cevo:
reescrevo o travo da vida de outro artista;
sonhos do sono em pesadelo alista
a redação da ação a que não me atrevo...
E quanto faço, é apenas porque traço,
nessa memória degradada de degredo,
nessa certa incerteza que me encerra,
nessa minúscula amplidão do espaço,
clara defesa na sombra de um segredo:
que Stonehenge ainda se ergue na Inglaterra.
AMENTILHOS VII
Prefiro nem lembrar que já te amei
e que te amei com tanta veemência,
do tempo em que aguardei, nesta paciência,
mesmo sabendo que jamais lucrei.
Mas vejo que esquecer não poderei:
o amor é fruto mais de minha impotência,
de não te perceber a equipolência
com que outros amaste: e a mim, não sei.
Talvez tenhas temido amar-me mais,
bem percebendo que atração maior
que a de um amor transitório é manifesta.
Preferiste casos leves, esses tais...
Mas a força de meu peito é ainda melhor
quando recordo os ventos frios de Avesta...
AMENTILHOS VIII
Sujei-me em teu amor, como um infante
nasce envolvido nos líquidos maternos,
meu peito inteiro em líquidos eternos,
a alma completa em ânsia delirante,
na ginecologia uterina e palpitante,
em que a alma se mescla nos internos
feromones da saliva e aos bens externos
esquece totalmente ser constante.
Corrompi-me de ti, no mesmo instante:
mesclei minhalma à tua, sem reserva,
sem perceber que me eras só plateia,
pois não sujaste a tua em igual quadrante
e rebolquei a mente sobre a erva,
lavando os braços nas cinzas de Pompeia.
AMENTILHOS IX
Hoje algo me impede de escrever
para a alcateia de meus correspondentes.
Eu me limito aos trabalhos exigentes
ou a estas linhas, em que morro em parte.
Bem mais queria poder-lhe pertencer
e ela a mim, mas sei que indiferentes
são os fados ao desejo. Sorridentes,
eles cumprem seus desígnios e destarte
os nossos só se cumprem se os agradam.
Em geral são negados e o antanho
é uma panóplia de negação e finta...
Assim, por que escrever? Só sobrenadam
essas saudades de um lugar estranho
chamado Freixo com Espada à Cinta...
AMENTILHOS X
Já não me tens o valor que vi outrora
em teus cabelos longos, rebrilhantes.
Esmagaram-se os cachos e, distantes,
os fulgores já pertencem a outra hora.
Já nem sequer o meu amor te doura,
pois foi minha brasa a fazê-los chamejantes,
que foi minha brisa que os tornou flutuantes,
que a brasa é morta e a brisa foi-se embora.
Já não desejo te ver, igual a dantes
e menos te abraçar, perdi o gosto,
não és mais aquela que o meu peito treina.
Não sei se na derrota ou triunfantes,
minhas emoções saltitam, ao sol posto,
pelas colinas de Talavera de la Reina...
AMENTILHOS XI
A permanência é permanente rosa,
mesmo que amor reflita só o espinho.
Amor se desfalece em rosmaninho,
aspira só de longe a perfumosa...
Também a orquídea é uma flor formosa,
mas sem espinho e devia mais carinho
nos projetar, mas odor bem mais mesquinho
possui que esse da rosa esplendorosa...
Assim eu penso em ti, rosa e orquídea,
a um tempo elegante e transitória,
nas emoções que dentro dalma enjambra,
o meu deleite de ternura ofídia,
que me conserva essa esperança inglória
de ainda achar tesouros pelo Alhambra.
AMENTILHOS XII
E ela esperou-me, à luz do vento frio,
abraçada a si mesma, no portão.
Era uma forma de entregar o coração,
sem demonstrar nem a si estar no cio.
Movida pelo ardor desse arrepio,
aguardou-me na cegueira da paixão,
sem definir qual tipo de emoção
predominava, ao sabor do desvario.
Partiu comigo, sem saber ao certo
o que queria de mim ou para si,
se eram amores ou tão só cantares...
Mas nunca mais seu peito foi deserto,
pois plantei-lhe uma flor e consegui
que o sol brilhasse em Alcalá de Henares...