AVES DE SAL 1-4 & MASSA DE VIDRO 1-4
AVES DE SAL I (12 jan 11)
(para Síntia Mireli)
Quando estavas comigo, aves de ouro
voavam de teus olhos para os meus,
pousavam gentilmente, os olhos teus
e se aninhavam nas pestanas, sem desdouro.
Eram olhos de amor, todo o decoro
envolviam esses ninhos que eram seus,
protegidos do calor por esses breus
das sobrancelhas de feliz agouro.
Mas foste embora e teu olhar se foi
junto contigo, para não voltar...
Nessa tristeza é que minha alma crê
e como corta a solidão que dói!...
Que mal me atrevo sequer a murmurar :
"O que farei da vida sem você...?"
AVES DE SAL II
Pois teu olhar permanece no meu ninho,
entre as pestanas e sob as sobrancelhas
e ainda desfere a mágoa de centelhas,
diante do espelho, quando me avizinho...
Os ovos já chocaram e o piozinho
das avezinhas soa sob as telhas:
o mundo é teu olhar que ainda me espelhas,
nesse fascínio sobre meu caminho...
Contudo, ser tua lágrima eu queria,
para correr ainda de teus olhos
e te descer lentamente pela face...
Porque então, em tua boca morreria,
perdida totalmente nos refolhos,
sem que morrer nem um pouco me importasse!
AVES DE SAL III
Por que razão o amor precisa assim,
gerado no fulgor de teu olhar,
em teu sorriso meigo a rebrilhar,
em lágrimas tornar-se para mim...?
Foi para amar que para o mundo vim,
por que o amor de mim quer-se ocultar?
Por que não posso de teu amor gozar,
durante a vida, até chegar-me o fim?
Toda essa mágoa sofrida pelos anos,
que amor te dei, sem receber jamais,
mas guardo tanto no meu coração!...
"Ainda gosto dos seres humanos,
mas descobri que o amor dos animais"
não me trará maior desilusão!...
AVES DE SAL IV
Se em lágrima virar, eu voarei
por sobre os ventos para te buscar;
salgado soará o meu cantar,
que, lentamente, me ressecarei.
Meus olhos para ti eu transformei
em duas fontes de sal a rebrotar;
vi os pássaros dos ninhos revoar:
na sua ausência, mais só ainda fiquei....
E embora te buscasse, não te achei,
nem no crepúsculo e nem no arrebol:
busquei em vão a luz do teu fanal...
Lágrima seca, a mim mesma retornei
e teu olhar de então, aves de sol,
tornou-se para mim em aves de sal...
massa de vidro I
ninguém me conhece
palestinos, judeus
tampouco o meu deus
entende minha prece
eu mesmo sequer
conheço de mim
e sei bem assim
que não sei conhecer
aqueles que cercam
meu tolo viver
não é por prazer
que meus dias se percam
apenas queria
que alguém conhecesse
qual verso crescesse
em tom de poesia
mas isso é ilusão
não acho uma esteta
na frequência secreta
do meu coração
apenas perplexo
contemplo este mundo
meu ego profundo
é muito complexo
conheço ninguém
ninguém me conhece
ou logo se esquece
sua mente também
nem espero que entenda
nem tenha paciência
com minha impotência
em deixar esta senda
massa de vidro II
mas sempre é possível
saber mais um pouco
do mundo tão louco
sabor mais incrível
que tudo pensado
em nada varia
a gente se fia
de ter transformado
mas tudo é igual
o mundo é egotista
e não se conquista
nem bem nem o mal
os tipos são vinte
dos homens da terra
por mais que uma guerra
diverso nos pinte
já quanto a mulheres
sem dúvida há mais
mas sei que jamais
nem mesmo esses seres
são mais do que trinta
quem sabe quarenta
mas muito aparenta
um caráter que minta
talvez seja uma só
que muda frequente
se faz divergente
em busca de dó
porém no conjunto
são todas iguais
são todas mortais
e é o fim deste assunto
massa de vidro III
conheço uma só
igual que milhares
à força de azares
que me causam dó
pois muda de humores
em vária atitude
se fica mais rude
quebranta os amores
de fato não sei
a cada acordar
quem vou encontrar
no beijo que dei
há muito tentei
mas já desisti
a espera perdi
e nunca encontrei
a mesma mulher
na véspera vista
e nova conquista
se torna mister
foi fácil às vezes
em outras difícil
caráter bem físsil
mostrou-me em talvezes
mas sigo levando
mostrando esperança
na espera se alcança
ou vai se cansando
às vezes reclamo
protesto também
mas sinto porém
que a todas eu amo
massa de vidro IV
eu mesmo moldável
de vidro sou massa
que passa e repassa
no imponderável
às vezes pressinto
um certo rancor
pois isso de amor
é um sonho que pinto
na boca e nos olhos
mas sem revelar
no agir ou falar
meus feios escolhos
que amor se demonstra
na fala e na ação
buscando a emoção
no fundo se encontra
mulher é volúvel
nem sabe porquê
a razão desse quê
mistério insolúvel
agindo com jeito
tocando de ouvido
eu tenho vencido
esse estranho defeito
pegando retalhos
de vidro partido
na alma ferido
vou cobrindo os talhos
não mais que linhaça
e um pouco de gesso
a espátula peço
que me satisfaça
rejunto na vida
os cacos da alma
retomo essa calma
em doce guarida