MANGÁS SEM ROSTO / DESAFIANTE / FANTASMAS DE SOL

MANGÁS SEM ROSTOS I (*)

Caríssima, não penses que te esqueço:

és musa para sempre de meus dias,

mesmo se nada escrevo de elegias

e beijo algum de teu olhar eu peço...

Pois penso em ti até quando adormeço

nas noites quentes, nas auroras frias:

sonho somente que te compadecias

de minha solidão que já nem meço...

Não é que viva só, mas não confio

em quem se encontra hoje de meu lado,

nem sei por quanto tempo ficará...

Quem esse corpo ocupará ao fio

das mutações com que me tem magoado,

de que talvez jamais me poupará...

(*) O mangá é um tipo de revista em quadrinhos japonesa... O título é um oxímoro, uma contradição em termos.

MANGÁS SEM ROSTOS II

De fato, eu desconfio. Seu sorriso,

esse luzir de seu olhar de guizo,

que me estonteia e decifrar preciso,

mas raramente consigo tal mistério

desvendar, pois não sei quem a levou,

desde a última vez que assim ficou,

enfim quais mutações por que passou

e como posso assim fiar-me a sério?

Bem que eu queria gentil assim ficasse

Que a outra que a habita não voltasse,

mas não me posso furtar da desconfiança...

Talvez esteja, de fato, me enganando,

sendo gentil, enquanto está afiando

as unhas que perfuram-me a esperança...

MANGÁS SEM ROSTO III

Porém tu que te tornaste a estrela guia

e para quem volto a mente noite e dia,

paixão de minha semente escorredia,

paixão da mente que firme se controla,

luz de meus sonhos, ânsia de meus medos,

farol cativo para meus segredos,

farol dourado para os sonhos ledos,

alga marinha que o coração me enrola,

não finges o que queres nem pretendes

és uma só e dar-me-ás o quanto busco

desde os sonhos inconclusos de minha infância,

no talho fundo com que a tristeza fendes,

no devaneio da penumbra e lusco-fusco

de minhas quimeras nutridas de inconstância...

MANGÁS SEM ROSTOS IV

Como te espero, ó deusa lampejante,

nos desencontros de tantas gerações,

no cintilar de mil revelações,

dessa tua carne por mim expectante.

Como te espero, ó musa tremulante,

esquiva moradora de ilusões,

imagem de lascívia e expectações,

que só contemplo ainda titubeante...

Que finalmente o sonho se defina!

Não em fumaça, porém em carne e osso,

mulher que eu possa amar eternamente

sem mais reservas, alvo de minha sina,

cuja existência crer quase não posso,

porém que aguardo retorne... de repente.

DESAFIANTE I (30 jan 11)

Diante de um prédio azul ela se lança,

na noite negra, toda em branco e rosa,

em seu sorriso contido mais formosa

do que mostrando a todos sua nudez.

O seu olhar entrecerrado alcança

diretamente a alma, em sua dobrez,

como se lesse, cheia de altivez,

o meu olhar, que em timidez a esposa.

E seus cabelos lisos e ondulantes,

penteados levemente para a esquerda,

como cauda de um quadrúpede selvagem,

são coroa interrompida por instantes,

pelo mais leve toque de uma perda

que se sofreu... por falta de coragem.

DESAFIANTE II

À mão direita, cresce uma palmeira,

um tanto deslocada na cidade

e as palmas desgrenhadas, na verdade,

lembram os fios da basta cabeleira.

Certo que a rama, um tanto mais grosseira,

formada é por espinhos, mas vaidade,

nessa expressão que meu escudo invade,

não é menos aguçada, nem certeira.

Ela sabe de si, vem à conquista,

os lábios reprimindo seu sorriso,

tal se me amasse, sem querer mostrar,

na decifrável mensagem que se avista

e, por instantes, do solo que ainda piso,

me sinto levemente a levitar...

DESAFIANTE III

E essa mulher, que só revela o colo

e metade, talvez, dos antebraços,

nessa expressão maliciosa de seus traços,

nessa firmeza com que pisa o solo,

na transparência com que vê meu dolo,

a pretensão de não querer os seus abraços,

na forma em que me fita, de olhos baços,

nos cabelos desfeitos de seu rolo,

se mostra mais perfeita e sedutora

que se viesse inteiramente nua,

a apresentar-me os seios e a vagina,

porque é a imaginação que assim explora,

enquanto outras se mostram pela rua,

sem atrair, porque nada se imagina...

DESAFIANTE IV

Mas nesse ângulo da fotografia,

que a retrata tão mais alta e imponente,

esperando que o escudeiro se apresente

e aos pés se ajoelhe de quem mais queria;

e nessa testa dourada, que luzia,

existe uma altivez tão permanente,

como uma dama de antanho, redolente,

que bem conhece até que ponto tem valia.

E é assim que ela parece a luz do dia,

em contraste com o céu em seu negror

e me domina toda a resistência...

Assim me entrego, em plena cortesia,

pelo desejo de um sinal de amor

que me alumie o resto da existência...

FANTASMAS DE SOL I (31 JAN 2011)

Do outro lado do lago, há um resort,

que antigamente chamavam veraneio:

a água azul se agita, de permeio,

do que uma lancha é talvez causa maior...

Quem sabe é uma enseada que hoje ador-

na esta mulher que corresponde a gosto alheio:

as que eu prefiro têm mais carne no seu seio

e nos quadris, magreza bem menor...

Contudo, é feminina em sua postura,

Usa um conjunto em cor de violeta,

as botas longas e negras, salto alto...

Não me desperta atração, salvo obscura,

por seu olhar contundente como seta,

agudo como as flechas desse salto...

FANTASMAS DE SOL II

Mas não me fere. Contemplo em complacência

essa menina magra e saturnina:

essa cabeça que para o queixo afina,

sob sua testa larga de impudência...

Os ossos todos lhe vejo, sem paciência:

mal se percebe que a cintura é fina,

por falta de contraste. É uma menina,

querendo ser mulher em sua imprudência...

Mas isso é para mim. Muitos existem

que se apegam francamente a tal ideal,

em que a magreza já supera a esbeltez...

Porém lamento, ao ver o quanto insistem

em maltratar seu corpo natural,

cuja beleza o modismo assim desfez...

FANTASMAS DE SOL III

Fotografada assim, parece alta:

mão numa coxa, a outra no quadril,

os lábios num muxoxo senhoril,

contra o assédio sexual de toda a malta.

Essa postura até a magreza exalta.

De baixo para cima, em nada vil,

recorta o violeta o céu de anil,

a disfarçar a carne que lhe falta...

Mas a sombra de seu ventre, na virilha,

que escorre à meia-coxa, até fascina:

em posição central, o olhar atrai...

Qual a palmeira em solitária ilha,

sugere a sombra a fruta feminina,

que é doce e tem perfume, mas não cai...

FANTASMAS DE SOL IV

E em nossa época de tanta exaltação

do sexo e do coito e desses quantos

que as perversões retiram de seus mantos,

ao invés de simples e sensual copulação,

nesse modelo imposto, em que não estão

o velho e o feio e os que se dizem santos,

essa figura surge e, para tantos,

traz um momento de masturbação:

para todo o desprezado ou excluído,

ou adolescente, em todo o seu vigor,

ou para o adulto que não possui ninguém,

mas vive preso, oculto ou perseguido...

E a imagem brilha, sem trazer amor,

mas um breve consolo aos que não o tem.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 18/04/2011
Código do texto: T2915619
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