JOVENS DE ROMA XIX (CLODIA) & MAIS

AS JOVENS DE ROMA XIX -- CLÓDIA

Eu nem almejaria a amor tão grande

Ter pretensão que rebrotasse em mim:

Queria um amor pequeno, amor chinfrim,

Bem controlado, amor que Deus me mande

Só por consolo e vaga distração...

Porém não foi assim --- a frecha veio,

Num momento em que estava sem receio,

Mudando essa amizade em ilusão...

Foi uma pena, afinal!... Muito mais fácil

Seria dominasse um corpo grácil

E lhe mandasse mensagens hipnóticas...

Mas foi bem ao contrario: que outras óticas

Incendiaram-me em cheio; e fui assim,

Que me envolvi num pequeno amor sem fim...

METROS GREGOS XV

SONETO EM HEXÂMETRO ESPONDAICO

TALVEZ PORQUE AMOR NÃO FOI MAIS QUE UM SONHO VÃO E MÁGICO,

TALVEZ PORQUE A DOR FOI, SIM, BEM SUBJACENTE E VÁPIDA,

TALVEZ PORQUE A VIDA, ENFIM, FOI EM CENÁRIO TRÁGICO,

SABOR AGRIDOCE E VAGO NUMA PAIXÃO TÃO RÁPIDA;

TAMBÉM PORQUE AMOR NÃO É LÍQUIDO SONHO FÚLGIDO,

TAMBÉM PORQUE A DOR ATÉ TRAZ À MEMÓRIA EM HÍSPIDO,

TAMBÉM PORQUE A VIDA EM FÉ SOFRE PUDOR MAIS TÚRGIDO,

EU QUIS RENUNCIAR AMOR, MAS ENCONTREI UM RÍSPIDO,

FUGAZ REVELAR, ASSIM, DO FERO DEUSINHO FÁLICO,

VERAZ INSISTIR, TAMBÉM, QUE FORA AO SEU MANDAR IMPÁVIDO,

FEROZ DESFERIR DE FLECHAS, POSTO LANÇADO EM CÚPIDO,

ALÇAR CASUAL DE PLUMAS, SENDO PORÉM, EM FÁRSICO

LANÇAR PARCIAL DE DARDOS, TENDO UM DESTINO ESQUÁLIDO:

APÓS SOFRIDO O GOLPE, NÃO TER QUALQUER ANTÍDOTO.

O HEXÂMETRO ESPONDAICO, CONFORME DIZ O NOME, TEM SEIS PÉS POÉTICOS, UM IAMBO, UM ANAPESTO, UM ESPONDEU, UM CORIAMBO, UM ESPONDEU E DÁCTILO OU ESPONDEU FINAL. COMO TODO HEXÂMETRO, TEM UMA SÍLABA VOGAL, ISTO É, OSCILANTE, QUE PASSA DE UM INTERPÉ PARA OUTRO E UMA CESURA IGUALMENTE IRREGULAR. O RITMO É TATAM-TATATAM-TAMTAM-TAMTATATAM-TAMTAM-TAMTATA [ou final TAMTAM, dependendo da escolha do pé final entre espondeu ou dáctilo] É UM RITMO MUITO INCOMUM EM PORTUGUÊS, ESPECIALMENTE DEVIDO À SILABA OSCILANTE, QUE DEVERIA DAR ESPONTANEIDADE, MAS TEM UM EFEITO UM TANTO ANQUILOSANTE... MAS SEMPRE FOI UMA EXPERIÊNCIA. BJS. BILL.

VIVEIRO XVI -- A POMBA

A quem compararei o meu amor?...

À meiga pomba, que mansamente arrulha

E, ao mesmo tempo, meu quintal entulha

De branco guano de imortal fedor...

Que meus leitores esperavam, creio,

Nesta comparação de sonho e aves,

Falasse de ternura, como tanto leio,

Ao mencionarem as pombas, sem entraves...

Mas são aves ferozes, as pombinhas...

Pois matam outros pássaros, sem pena,

E se agridem umas às outras, às bicadas!

Não me servem de símbolos, nem minhas

Quero mulheres cujo amor condena

Este cantor a suportar línguas de espadas...

JOVENS DE ROMA XXI --- LUCIANA

Foi um encontro casual, em plena rua,

Andava distraída e quase não me viu;

Porém chamei-lhe o nome e então sorriu,

Seu rosto aceso de uma alegria nua...

Porque me recordava e importante até

Talvez lhe fosse então achar um rosto amigo,

Contou-me estar sozinha, que seu amor antigo

Seguira outro destino e lhe traíra a fé...

Conversamos então e o coração doeu,

Porque embora soubesse que a outro pertenceu

E não pertence mais, querer que fosse minha

Por mais que desejasse o amor que se adivinha,

Eu nunca poderia: que amei sem lhe dizer

E deixei que fosse embora, ainda sem saber.

O CANTO DE GILGAMÉS

Inanna, deusa antiga, quando Ildaba

teu corpo desenhou, feito singelo,

que emprenhou, cresceu, fez-se castelo,

que já abrigava inteira a humanidade;

Inanna, até que ponto menoscaba

o teu favor, na prece do momento,

até que ponto quebranta o juramento,

a raça ingrata por tal natividade!...

Que os homens te esqueceram, deusa ventre,

que a chuva semental de Ildaba adentre

os rochedos vazios, do sol gretados,

E te fecunde, em nova raça pura,

menos feroz, mais cheia de ternura,

para teu culto apenas devotados...

SONETO SERIAMENTE NEFELIBÁTICO

meu amor tem os lábios amarelos,

azuis as faces, verdes os cabelos,

a boca é branca, as faces, como selos,

são pintadas de pinóquios cinderelos.

é a mais perfeita mágoa de um soneto,

seu beijo é negro como é negro o reto,

me faz respirar palha o magro inseto,

de olhar vermelho como o umbigo é preto.

e eu juro que minhas vozes adoidaram:

ao procelar penélope alforria,

espraiaram-se em uivos automáticos...

falando em sírio, tanto fabricaram

sobre amores vazios de fancaria,

que perfuraram meus glândulos linfáticos.

CORDEL

amor existe, sim e Foi um dia

o brilho multicor na Minha estrada,

a nuvem a meus pés, a Doce melodia,

do verso corriqueiro, o Gume feito espada...

mas o brilho se Embaça e se esvanece,

a nuvem se Condensa sob os pés,

em Cascalho depressa se endurece,

tão logo a Melodia mais não és...

antes discurso Enfadonho que aborrece,

sermão de padre em Demorada prece,

que Apaga a luz brilhante do vitral...

e nesse imenso e Pobre carnaval,

meus versos são somente uma Toada

que Apenas dá consolo... e leva a nada.

JARDIM DO ESPANTO XIII -- A GLOXÍNIA

E como é transitório esse esplendor

Com que um dia amor nos revestiu:

Brilhou fulgente, claro e multicor,

Depois despetalou-se e nos fugiu.

Por sorte, restam folhas, em que gravo

Os sentimentos todos e as raízes;

E permaneço da esperança escravo

De escutar doçura no que dizes...

Que reviver consiga esse botão,

Que as radículas fervilhem no Natal,

Que os sinos tanjam nova turmalina,

Que os olhos encha na revelação:

Que se abram novas flores, afinal,

Nessa cadência triunfal da gloxínia!...

MANDRIÃO

Ainda estás aqui, no quarto ao lado,

E aqui estou eu ainda, aos versos dedicado...

De certo modo a vida nos tem entrelaçado,

Somente os deuses saberão resposta...

Ainda estou aqui, nos versos decidido,

E ainda estás aqui... depois de ter sorrido,

Depois de teu olhar no meu ter incidido,

Somente os deuses nos farão proposta...

É claro que isto tudo é apenas um brinquedo,

Apenas uma forma de lançar para o degredo

A obrigação que eu tenho em traduzir...

E enquanto, nestes versos, te imagino,

Como existindo além, no meu destino,

Não preciso em meu trabalho persistir...

JARDIM DO ESPANTO XIV - O ANTÚRIO

Nessa cadência em que canto a fantasia,

De um grande amor de alma desejar,

Que se o espírito se entrega, sem negar,

Em nada importe que a carne seja fria,

No metro variegado da poesia,

Por onde vou, enfim, nesse cantar?...

Quero distância ou perto me quedar?...

Na sombra e substância escolheria

A sombra mais perfeita, a imaginar

Que a substância, ao alcance percebida,

A carne e a mente, o áureo e o sulfúrio,

Não são mais, lá no fundo, que o girar

Desse amor, qual medalha refletida,

Gentil e fálico, qual parece o antúrio...

INTERROGATÓRIO (para Berenice)

porque texto me brota sem represa,

esse fluir de versos, com certeza,

bem mais que o cérebro pode produzir,

do corpo inteiro nasce esse fluir.

do fígado e intestinos, do baço e do pulmão,

não é somente um desvair do coração,

mas vem do pâncreas, da vesícula, dos rins,

do estômago, testículos, dos confins

inexplorados do sistema imunológico,

da espinha, articulado em sinergia,

que explode, enfim, em beijos incompletos,

pois a faringe convoca o neurológico

e encontra sonho na colonoscopia,

que me investiga a origem dos sonetos!...

JARDIM DO ESPANTO XV - A CALÊNDULA

Na solidão tranqüila do escritório,

onde redijo versos e trabalho,

me assaltam os fantasmas, o ilusório

dos dias que perdi na forja e malho;

Que foi esta minha vida, ferraria

de almas humanas, tantas vidas

que passaram por mim, que me diria

poderia talvez nessas guaridas

instalar as sementes de paixão

pelos livros e lendas, pela história,

sofrendo semestral desilusão.

E, no entretanto, como a mente esplêndula!

Permanecer em alguns terna memória,

qual o frescor alaranjado da calêndula...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 28/04/2011
Código do texto: T2936058
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